O que significa ‘educar para a vida’? O que significa ‘educar o olhar’?
“Os olhos têm de ser educados para que nossa alegria aumente.” (Rubem
Alves)
O jornal Folha de São Paulo publicou o depoimento de um jovem pai, que,
aflito, dizia: “A minha filha pediu um laptop da Xuxa. Ela só tem três anos e
fala direitinho ‘Laptop’. Acho que ela nem sabe o que é, mas viu na TV e quer
de qualquer jeito.” O pai afirma que já percorreu duas lojas à procura do
‘laptop da Xuxa’, mas que estavam com o estoque esgotado. Prossegue, dizendo
que irá se dirigir, apesar da forte chuva, ao shopping, pois a felicidade de
sua filha depende do tal laptop. Nada mais irá satisfazê-la, e não se
contentará com um laptop de brinquedo similar,– quer unicamente o ‘laptop da
Xuxa’.
Apenas três anos de idade, e a marca do desejo já foi inscrita em sua
subjetividade.
Enquanto as crianças assistem a desenhos e programas infantis, a
educação para o consumo vai se instalando de forma poderosa no seu
subconsciente.
Como muitos pais passam longas jornadas fora de casa, e desconhecem o
que os filhos veem na televisão, vamos fazer uma breve descrição do comercial
do brinquedo em questão.
O comercial inicia-se com Xuxa e duas meninas sentadas ao redor de uma
mesa com cadernos e lápis de colorir. Xuxa diz que vai mostrar para as duas
meninas algo muito mais legal e divertido. Nesta hora, entram em cena os
efeitos especiais, e uma esteira colorida leva as três até o Céu. E no Céu está
o tal laptop. A esteira converte-se num gigantesco tobogã, pelo qual elas
descem escorregando felizes. (reflita sobre como uma criança pequena processará
tais fantasiosos efeitos visuais) E no fim do comercial, Xuxa apresenta os
vários modelos e cores para se colecionar.
Trinta segundos se mostram suficientes para convencer a criança
pequenina de que a felicidade reside no adquirir o produto anunciado. A esteira
que conduz ao Céu.O incontido sorriso de Xuxa e das duas crianças figurantes,
que mal cabem em si.
Ter = Ser Feliz
O desejo de posse e o consumismo impostos a mentes indefesas, ainda na
mais tenra idade. A pedagogia do consumo, – o aproveitar da imaturidade natural
de uma criança pequena para convertê-la num consumidor precoce.
Gerações e gerações de crianças desenvolveram a criatividade e o gosto
pela arte por meio de cadernos e lápis de colorir. E um comercial de 30 segundos
consegue fazer com que a criança enxergue tal atividade como coisa do passado,
e passe a almejar o objeto anunciado.
“Lápis e cadernos de colorir, que coisa mais sem graça...” “Diversão de verdade é o meu laptop!”
A publicidade infantil se torna ainda mais cruel, desumana e desalmada
quando recordamos que as crianças das famílias mais carentes encontram-se
igualmente expostas à sua invasiva, massiva, desregulamentada e abusiva
veiculação.
Nos países desenvolvidos, onde a Infância e a Educação são priorizadas,
cuidadas e protegidas, existem leis regulamentando e restringindo a publicidade
infantil.
Nos Estados Unidos e na Europa, apresentadores de atrações infantis são
proibidos por lei de ter sua imagem associada a qualquer produto comercial.
Crianças pequenas tendem a acreditar que os adultos sempre falam a
verdade. Portanto, se um adulto lhes diz que necessitam de tal coisa para serem
felizes, elas aceitarão tal afirmação sem ressalvas.
Ademais, uma apresentadora de programa infantil, como a Xuxa, estabelece
um forte vínculo afetivo e emocional com a criança, devido às longas horas que
passa com ela diariamente. Portanto, em função de tal ligação emocional, a
criança pequena recebe a mensagem publicitária que a apresentadora transmite
quase que como uma ordem, e ela não quer decepcionar ou trair tal vínculo
afetivo.
A criança pequenina não tem a menor capacidade intelectual de
compreender que por trás do comercial existem empresários, publicitários,
diretores televisivos e seus milionários lucros comerciais.
Para a criança pequena, o que há é apenas a Xuxa, que ela considera uma
amiga, dizendo para ela que a felicidade reside no possuir tal laptop.
Algum dia, quiçá não tão distante, a exemplo dos países desenvolvidos, nossas
leis também irão proibir apresentadores de programas infantis de anunciarem
marcas e produtos, dentre outras medidas. Algum dia, quiçá não tão distante, a
exemplo de muitos países desenvolvidos, nós também iremos educar as nossas
crianças para que sejam primeiramente cidadãos, e não meros consumidores
precoces.
Fôssemos nós também um país desenvolvido, priorizando a Infância e a
Educação, a apresentadora, os diretores televisivos, os publicitários e todos
os demais envolvidos na criação e veiculação de um comercial como o do ‘Laptop
da Xuxa’ estariam respondendo criminalmente, sujeitos a duras penas.
O que se pode esperar de uma sociedade na qual interesses comerciais se
sobrepõem aos cuidados básicos com a Infância? Que podem fazer os pais para proteger
seus filhos nestes dias desleais que vivenciamos?
Vejamos alguns conselhos de educadores e especialistas em Educação: Em
ambientes com a presença de crianças menores de quatro anos, mantenha os
aparelhos de TV desligados. Lembre-se de que a atenção periférica nas crianças
pequenas é bastante apurada, mais até do que nos adultos. Enquanto brincam
inocentemente num canto da sala, elas vão assimilando e absorvendo tudo que
acontece ao seu redor. Os olhos e os ouvidos das crianças pequenas são
sensíveis demais para a futilidade das novelas, as coberturas sensacionalistas
dos dramas e tragédias humanas dos telejornais, e a incessante torrente apelativa,
abusiva e invasiva de propagandas e comerciais.
Caso, devido à corrida rotina da vida moderna, você tenha que recorrer
ao babá-eletrônico para distrair crianças pequenas, dê preferência a vídeos e
dvds. Como nesta fase a criança sente prazer na repetição, sendo ela parte do
processo de aprendizagem, adquira alguns dvds infantis para manter em casa. Desenhos
são lúdicos e, vistos moderadamente, estimulam a fantasia e a criatividade. Recorrendo
ao dvd, você poderá preservar seus filhos pequenos da tirania publicitária das emissoras
de TV.
Recomenda-se que somente após completar quatro anos de idade a criança venha
a ter contato com programas televisivos. E, mesmo assim, não mais do que por 45
minutos diários,
inicialmente com a presença de um adulto, a orientá-la diante do
caráter persuasivo dos comerciais.
90% do nosso aprendizado acontece entre 0–6 anos de idade, considerada a
fase em que temos maior capacidade de aprendizado.
A primeira infância representa um período crucial na formação do
caráter, e no estabelecimento de valores e princípios que nortearão os anos
vindouros.
“Os olhos têm de ser educados para que nossa alegria aumente.”(Rubem
Alves)
Educadores orientam que aparelhos de TV e computadores não devem ficar
no quarto das crianças, mas em salas comuns, onde os pais possam acompanhar o
seu uso.