Pra começar, casamento não deveria ser um divisor
de águas na vida de uma pessoa, com uma data escolhida para separar
definitivamente o antes do depois.
Em vez de decidir casar, deveríamos permitir que o
casamento acontecesse espontaneamente, sem que a gente nem percebesse. Comigo,
sortuda que sou, aconteceu assim. Estávamos juntos havia um tempão e cada um
morava no seu apartamento. Aos poucos, a cumplicidade foi aumentando, nossas
roupas e discos começaram a se misturar, já não queríamos dormir separados. Não
fazíamos muitos planos para o futuro, curtíamos a companhia um do outro
serenamente, sem pactos nem juras de amor eterno, até que um belo dia nos demos
conta de que já estávamos casados, casadíssimos, a questão era oficializar ou
não. Oficializamos, assinamos os papéis, e o que mudou a partir daí? Nada. Qual
é a data do nosso casamento? 13 de janeiro, 30 de março, 23 de outubro, 8 de
dezembro... escolha você. Em cada dia dos nossos quatro anos de namoro a gente
casou um pouquinho. O que equivale a dizer que começamos a casar no dia em que
nos conhecemos: não foi um crime premeditado.
Casamento é grude? Só se o casal ambiciona o ódio
mútuo. Casamento é a união de duas pessoas que têm afinidades, que gostam muito
de conversar uma com a outra, de transar uma com a outra e que resolvem morar
juntas porque é mais econômico e porque facilita na hora de ter filhos, que é
uma aventura deliciosa a ser compartilhada. Se ambos estiverem de acordo quanto
a isso, aceitarão com naturalidade que cada um tenha os próprios amigos, os
próprios passatempos, suas viagens, seu trabalho, enfim, que sejam donos de uma
vida individualizada e inteira, e não mutilada. Leva-se um tempo até descobrir
que esse é um arranjo que funciona. Pena que, antes que o casal amadureça e
chegue a esse ponto, muitos desistem por puro apego às convenções.
Você deve estar pensando: muito bem, e agora? Ela
vai continuar enrolando ou vai tocar naquele ponto nevrálgico que implode a
maioria das relações?
Não, ela não vai continuar enrolando. É hora de
falar na dolorosa. A questão da fidelidade.
Se Jennifer Aniston continuar casada com Brad Pitt
por mais dez anos, até ela, com aquele monumento em casa, vai começar a bocejar
e a olhar impaciente pela janela. Não porque Brad Pitt tenha dentes feios e
espinhas no rosto (foi o Rubens Ewald que disse isso; pra mim Brad segue
perfeito). A razão será outra: amor e sexo não são da mesma família. O amor é
de família nobre e tradicional, enquanto o sexo vem da periferia e é chegado
numa promiscuidade. Nem os sentimentos mais elevados por nosso parceiro
conseguem evitar que tenhamos desejos secretos e fora de hora. Desejar é
humano, meritíssimo, não nos condene. Estranho seria se a gente não tivesse
nenhuma fantasia, nenhuma excitação pelo que acontece do lado de fora da cela.
Homens sentem vontade de transar com outras
mulheres, e mulheres sentem vontade de transar com outros homens pelas mais
diversas razões: para testar seu poder de sedução, para dar um up na autoestima, para recuperar a
adolescência perdida ou porque se apaixonaram por outra pessoa inadvertidamente
- arrisco até a dizer: inocentemente. Ninguém tem controle absoluto sobre si
mesmo, pode acontecer com qualquer um. E aí, como se resolve?
Quem é temente a Deus reprime. Quem é temente aos
olhos dos vizinhos reprime. Quem é temente a si mesmo reprime. Mas quem não
quer passar o resto da vida privando-se de sonhar, de se encantar, de namorar
outra vez encara e assume os riscos, que não são poucos. Muitos acabam se
separando, mesmo tendo um casamento que era satisfatório. No entanto, a tal
"pulada de cerca" às vezes não gera maiores conflitos internos, é
apenas uma necessidade paralela.
Não é assunto fácil, tampouco é novo. É um problema
antigo e cabeludo. Envolve religião e seu subproduto: culpa. Sentimos culpa por
tudo. Culpa por sermos avançadas demais, medrosas demais, galinhas demais,
santinhas demais. Culpa pela nossa libido, pelas nossas fraquezas, pela nossa
coragem. Culpa por estarmos mentindo, omitindo, enganando. Por ter permitido
que o casamento chegasse a esse ponto de fragilidade - ou de segurança extrema,
acreditando que tudo será perdoado e compreendido.
Casamento é um compromisso sério, mas não deveria
significar prisão, submissão, anulação, obediência e tudo mais que caracteriza
uma relação tirânica. Casamento deve significar amizade, sexo, respeito,
diversão e companhia. Casamento tem que ser alegre, tem que ter sintonia,
liberdade e muito jogo de cintura. Casamento não é brincadeira de criança, mas
tem que ser leve, e é imprescindível que haja maturidade e - atenção -
inteligência! A burrice é inimiga das relações, ela é que permite o surgimento
de mesquinharias, preconceitos, implicâncias e ciúmes doentios. Casamento tem
que ser aberto, não necessariamente no sentido sexual - isso é negociado caso a
caso -, mas aberto para a renovação, para a conversa franca, para as
necessidades de cada um, para a intimidade que vai além dos corpos, intimidade
de almas, intimidade que permite a gente enxergar o outro, aceitar o outro e
viver de maneira menos repetitiva e convencional. Cada casamento exige uma
fórmula própria, cada casal inventa a sua, mas de uma coisa não se pode
prescindir: da flexibilidade.
Parece facílimo, mas é um deus-nos-acuda. De tudo o
que foi dito, a única conclusão a que chego é que os casamentos seguirão
desmoronando se não houver uma compreensão do assunto que ultrapasse o
romantismo. Amor é fundamental, mas não basta. É preciso um não-sei-quê que a
gente não explica, mas sente. Algo que está no ar, no olhar, e que dispensa
racionalizações.