Lá vai ela, toda segura com seu casaquinho Chanel,
comandar mais uma reunião da empresa, a superprofissional, mulher independente,
decidida, bonita, bem-resolvida, com saldo invejável no banco, amigos diversos,
saúde pra dar e vender. Ela é razoavelmente feliz. Seria estupidamente feliz se
tivesse um cara esperando por ela em casa pra fazer uma massagem nos pés e
dividir uma pizza. Está sem namorado desde antes de Cristo.
Que tal aquele garotão ali, não estará avulso,
disponível? Não, não estará. O garotão sarado tem uma namorada linda, eles
correm no calçadão todas as manhãs, parecem um casal de propaganda de leite
desnatado, e não pense que são dois descerebrados: são inteligentes, belos,
saudáveis, possuem um bom papo, estão de bem com a vida, adoram viajar pra
Europa, comprar livros de arte e alugar DVDs. Mas não têm feito nada disso,
correm no calçadão porque é de graça, nunca estiveram tão duros. Ela,
arquiteta, está sem um projeto há cinco meses. Ele, engenheiro e igualmente
desempregado, vem segurando a barra dando aula particular de italiano. Sabe
quantas pessoas estão a fim de aprender italiano?
Aquela senhora ali quer. Está doente para aprender
italiano. Já se aposentou, os filhos estão bem criados e distribuídos pelo
mundo, e o marido segue ativa em todos os sentidos. Ela nunca se sentiu tão
linda depois que fez vários reparos faciais e vive num mega apartamento com
vista para todo o azul e todo o verde da cidade, e o tempo que lhe sobra é
igualmente escancarado: está lhe faltando um compromisso, uma ocupação, um sentido
para a vida. Aprender italiano, fazer origami, um curso de roteiros, alguém lhe
dê uma ideia que a deixe mais do que razoavelmente feliz, que a deixe
insuportavelmente feliz.
“Vendem-se ideias”, está no anúncio da agência de
publicidade cujo dono é aquele sujeito ali bem de grana, bem de mulher, bem
realizado no ofício que escolheu por conta dos prêmios que abocanhou. Mas ele
acorda com dores lombares, tem tido uns acessos de tosse, está com os dias
contados, é no que pensa dia e noite, o coitado. Não adianta o médico dizer que
sua saúde está perfeita e que vai chegar inteiraço aos 100 anos, ele se sente
condenado, vive e ama como se não houvesse amanhã, igualzinho à música do
Renato Russo. O cara vive razoavelmente feliz suas 24 horas de cada vez, mas seria
diabolicamente feliz sem a hipocondria, sem as palpitações que não acusam nada
além de ansiedade.
A felicidade é uma mesa de três pés, há sempre uma
pendência. Equilíbrio total, todos os lados funcionando, nadinha pra reclamar?
Impossível. A vida não teria a mínima credibilidade sem o pedaço que falta.
Um comentário:
Adoro os textos dela...fantástico! beijos e bom feriado!
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