Você pede ao patrão para sair mais cedo do
trabalho, pega um ônibus lotado, vai para um consultório médico que fica no
centro da cidade, gasta seus trocados, seu tempo e seu humor, e, ao chegar,
esbaforido e atrasado, descobre através da secretária que sua hora, na verdade,
está marcada para semana que vem. Sinto muito, você perdeu a viagem.
Todo mundo já passou por uma situação assim, de
estar no lugar errado e na hora errada por pura distração. Acontecendo só de
vez em quando, tudo bem, vai pra conta dos vacilos comuns a qualquer mortal. O
problema é quando você se sente perdendo a viagem todos os dias. Todinhos. É o
caso daqueles que ainda não entenderam o que estão fazendo aqui.
Estão perdendo a viagem aqueles que não se
comprometem com nada: nem com um ofício, nem com um relacionamento, nem com as
próprias opiniões. Estão sempre flanando, flutuando, pousando em sentimento
nenhum, brigando por ideia nenhuma, jamais se responsabilizando pelo que fazem,
pois nada fazem. Respirar já lhes é tarefa árdua e suficiente. E os dias
passam, e eles passam, e nada fica registrado, nada que valha a pena lembrar.
Estão perdendo a viagem aqueles que, em vez de
tratarem de viver, ficam patrulhando a existência alheia, decretando o que é
certo e errado para os outros, não tolerando formas de vida que não sejam
padronizadas, gastando suas bocas com fofocas, seus olhos com voyeurismo, sem
dedicar o mesmo empenho e tempo para si mesmo.
Estão perdendo a viagem aqueles preguiçosos que
levam semanas até dar um telefonema, que levam meses até concluir a leitura de
um livro, que levam anos até decidir procurar um amigo. Pessoas que acham tudo
cansativo, que acreditam que tudo pode esperar, que todos lhe perdoarão a
ausência e o descaso.
Estão perdendo a viagem aqueles que não sabem de
onde vieram nem tentam descobrir. Que não sabem para onde ir e nem tentam
encontrar um caminho. Aqueles para quem a televisão pode tranquilamente
substituir as emoções.
Estão perdendo a viagem aqueles que se entregam de
mão beijada às garras do tédio.
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