O pai pega a menina no colo e os dois se abraçam.
Observo, sentada próxima à mesa onde estão. Coisa bem bolada essa dos braços se
encaixarem. Uma possibilidade tão perfeita que parece que já foram imaginados
também com esse propósito. Mas o melhor do abraço não é a ideia dos braços
facilitarem o encontro dos corpos. O melhor do abraço é a sutileza dele. A
mística dele. A poesia. O segredo de literalmente aproximar um coração do outro
para conversarem no silêncio que dá descanso à palavra. O silêncio onde tudo é dito
sem que nenhuma letra precise se juntar à outra. O melhor do abraço é o charme
de fazer com que a eternidade caiba em segundos. A mágica de possibilitar que
duas pessoas visitem o céu no mesmo instante.
A menina e o pai se abraçam. Nenhum dos dois percebe
que o meu olhar filma a cena. É bom sinal que não percebam, porque no abraço
bem fruído as duas vidas se ocupam de contemplar somente a paisagem que
compartilham. Os olhos se tornam surdos para qualquer registro que esteja fora
do ambiente construído. Talvez seja por isso que costumamos fechar os olhos
quando abraçamos: para abri-los para dentro. Quando inclui o sentimento, o
abraço é um portal que dá acesso às regiões mais arborizadas do coração da
gente. Lá onde cantam passarinhos. Lá onde voam borboletas. Lá onde se respira
grande sem ter a alma contraída. Lá onde experimentamos o amor ensolarado, por
mais nuvens encharcadas de medo que também existam em nós.
A menina abraça o pai e repousa o rosto em seu
ombro. Eu reparo a delicadeza com que ela o faz. Nada nela parece desejar
retê-lo. Nada nela parece querer que aquele encontro dure mais do que o tempo
que puder durar. Ela parece saber que o abraço não precisa ser demorado para
ser longo. Se plenamente sentido, o seu efeito é duradouro. A energia que
produz é capaz de circular por tempo indefinido nas vidas que o experimentam.
E, depois, pode ser acionada a qualquer momento no lugar da memória onde são
guardadas as belezas que não perdem o frescor.
A menina adormece abraçada ao pai. Ele se movimenta
vagarosamente de um lado para o outro, sob o ritmo de uma música que somente
ele ouve e que ela deve sentir em algum lugar do seu sonho. Ainda atenta ao
espetáculo amoroso que assisto sem que ninguém perceba, curto a felicidade de
não ter o coração curtido. De poder me aquietar para ouvir aquele poema escrito
pelos gestos. Nem todos os abraços se transformam em sono e isso é tão
verdadeiro quanto a constatação de que todos os genuínos oferecem repouso.
Armam redes na alma da gente, onde as emoções se deitam e balançam
aconchegadas. Não há lugar algum para onde ir enquanto acontecem. Apenas ficar
ali, dentro deles, e dividir esse conforto.
Adormecida no abraço do pai, a menina o envolve com
seus braços, dois pequenos laços de fita morenos. O abraço é também isso: um
presente que duas vidas oferecem uma a outra e desembrulham juntas. Pago a
conta e saio do restaurante. Tarde bonita, um bocado de sol ainda pousado na
tranquilidade da Lagoa. Sigo em direção ao meu destino com o coração
enternecido, sintonizada com a suavidade das lembranças afetivas que aquela
cena trouxe à tona. E grata, muito grata, por num tempo de tantas feiuras,
ainda ser capaz de admirar a beleza preciosa de um abraço de amor.