Quando se fala de amor, muitos usam palavras
bélicas, como luta, batalha, conflito. Amar pode ser uma guerrilha diária
mesmo.
Isso me faz lembrar os desfiles de veteranos de
guerra que a gente vê em filmes, homens uniformizados em suas cadeiras de roda
apresentando suas medalhas e também suas amputações. Se o amor e a guerra se
assemelham, poderíamos imaginar também um desfile de mulheres sobreviventes
desse embate no qual poucos conseguem sair ilesos. Não se perde uma perna ou
braço, mas muitos perdem o juízo e alguns até a fé.
Depois de uma certa idade, somos todos veteranos de
alguma relação amorosa que deixou cicatrizes. Todos. Há inclusive os que trazem
marcas imperceptíveis a olho nu, pois não são sobreviventes do que lhes
aconteceu, e sim do que não lhes aconteceu: sobreviveram à irrealização de seus
sonhos, que é algo que machuca muito mais. São os veteranos da solidão.
Há aqueles que viveram um amor de juventude que
terminou cedo demais, seja por pressa, inexperiência ou imaturidade. Casam-se,
depois, com outra pessoa, constituem família e são felizes, mas dói uma
ausência do passado, aquela pequena batalha perdida.
Há os que amaram uma vez em silêncio, sem se
declararem, e trazem dentro do peito essa granada que não foi detonada. Há os
que se declararam e foram rejeitados, e a granada estraçalhou tudo por dentro,
mesmo que ninguém tenha notado. E há os que viveram amores ardentes,
explosivos, computando vitórias e derrotas diárias: saem com talhos na alma,
porém mais fortes do que antes.
Há os que preferem não se arriscar: mantém-se na
mesma trincheira sem se mover, escondidos da guerra, mas ela os alcança,
sorrateira, e lhes apresenta um espelho para que vejam suas rugas e seu olhar
opaco, as marcas precoces que surgem nos que, por medo de se ferir, optaram por
não viver.
Há os que têm a sorte de um amor tranquilo: foram
convocados para serem os enfermeiros do acampamento, os motoristas da tropa,
estão ali para servir e não para brigar na linha de frente, e sobrevivem sem
nem uma unha quebrada, mas desfilam mesmo assim, vitoriosos, porque foram
imprescindíveis ao limpar o sangue dos outros. Há os que sofrem quando a guerra
acaba, pois ao menos tinham um ideal, e agora não sabem o que fazer com um
futuro de paz.
Há os que se apaixonam por seus inimigos. A esses,
o céu e o inferno estão prometidos. E há os que não resistem até o final da
história: morrem durante a luta e viram memória. Todos são convocados quando
jovens. Mas é no desfile final que se saberá quem conquistou medalhas por
bravura e conseguiu, em meio ao caos, às neuras e às mutilações, manter o
coração ainda batendo.
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