Por que é importante ler? Pergunta recorrente em
qualquer encontro de escritores com estudantes. E a gente acaba desfiando um
rosário de respostas prontas, um blá blá blá repetitivo, apesar de necessário.
Mas hoje vou dar um exemplo prático. Estava lendo uma revista - nem era um
livro - quando me deparei com uma entrevista feita com o chef Philippe
Legendre, estrela da gastronomia francesa de quem nunca provei um ovo frito.
Ignorante sobre quem era o cara, li. Lá pelas tantas, o repórter: "É
verdade que o senhor adora caçar?" O chef: "Eu caço o silêncio. Atiro
no barulho."
Bum!
Perdizes, faisões, coelhos, sei lá o quê o tal
homem caça todo final de semana - e nem me interessa. O importante foi o
impacto causado por aquelas duas frasezinhas curtas que pareciam um poema e que
empurraram meu pensamento para além daquelas páginas, me puseram a pensar sobre
minhas próprias perseguições. Caço o silêncio. Atiro no barulho. Eu idem,
monsieur.
Eu caço o sossego. Atiro na tevê.
Eu caço afeto. Atiro em gente rude.
Eu caço liberdade. Atiro na patrulha.
Eu caço amigos. Atiro em fantasmas.
Eu caço o amanhã. Atiro no ontem.
Eu caço prazeres. Atiro no tédio.
Eu caço o sono. Atiro no sol.
E quando caço o sol, atiro em relógios. Acho que é
isto que a leitura faz. Nos solta na floresta com uma arma na mão. Nos dá
munição para atirar em tudo o que nos distrai de nós mesmos, no que nos
desconcentra. O livro não permite que fiquemos sem nos escutar. A leitura faz
eu mirar em mim e acertar no que eu nem sabia que também sentia e pensava. E,
por outro lado, me ajuda a matar tudo o que pode haver em mim de limitante:
preconceitos, ideias fixas, hipocrisias, solenidades, dores cultuadas.
Lendo, eu caço a mim e atiro em mim.
Um comentário:
Belíssimo texto...bjs
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