Certo e errado são convenções que confirmam-se com
meia dúzia de atitudes. Certo é ser gentil, respeitar os mais velhos, seguir
uma dieta balanceada, dormir oito horas por dia, lembrar dos aniversários,
trabalhar, estudar, casar e ter filhos, certo é morrer bem velho e com o dever
cumprido. Errado é dar calote, rodar de ano, beber demais, fumar, se drogar,
não programar um futuro decente, dar saltos sem rede. Todo mundo de acordo?
Todo mundo teoricamente de acordo, porém a vida não
é feita de teorias. E o resto? E tudo aquilo que a gente mal consegue
verbalizar, de tão intenso? Desejos, impulsos, fantasias, emoções. Ora, meia
dúzia de normas preestabelecidas não dão conta do recado. Impossível enquadrar
o que lateja, o que arde, o que grita dentro de nós.
Somos maduros e ao mesmo tempo infantis, por trás
do nosso autocontrole há um desespero infernal. Possuímos uma criatividade
insuspeita, inventamos músicas, amores e problemas e somos curiosos, queremos
espiar pela fechadura do mundo para descobrir o que não nos contaram. Todo o
resto.
O amor é certo, o ódio é errado e o resto é uma
montanha de outros sentimentos, uma solidão gigantesca, muita confusão,
desassossego, saudades cortantes, necessidade de afeto e urgências sexuais que
não se adaptam às regras do bom comportamento. Há bilhetes guardados no fundo
das gavetas que contariam outra versão da nossa historia, caso viessem a público.
Todo o resto é o que nos assombra, as escolhas não feitas, os beijos não
dados, as decisões não tomadas, os mandamentos que não obedecemos, ou que
obedecemos bem demais – a troco de que fomos tão bonzinhos? Há o certo, o
errado e aquilo que nos dá medo, que nos atrai, que nos sufoca, que nos
entorpece. O certo é ser magro, bonito, rico e educado. O errado é ser gordo,
feio, pobre e analfabeto, e o resto nada tem a ver com estes reducionismos, e
nossa fome por ideias novas, e nosso rosto que se transforma com o tempo, e
nossas cicatrizes de estimação, nossos erros e desilusões.
Todo o resto é muito vasto. E nossa porra-louquice,
nossa ausência de certezas, nossos silêncios inquisidores, a pureza e inocência
que nos mantém vivas dentro de nós mas que ninguém percebe, só porque
crescemos. A maturidade é um álibi frágil. Seguimos com uma alma de criança que
finge saber direitinho tudo o que deve ser feito, mas que no fundo entende
muito pouco sobre as engrenagens do mundo. Todo o resto é tudo aquilo que
ninguém aplaude e ninguém vaia, porque ninguém vê.
Nenhum comentário:
Postar um comentário