Ela é complexa, angustiante, subjetiva e intensa.
Ela, a pior vontade de viver. A que não está disposta a negociar com a vontade
dos outros.Todos são tão compreensivos, aceitam tão bem suas escolhas, torcem
por tudo o que você faz, não é mesmo? Desde que você faça o que está no script.
Que siga o que foi determinado no roteiro, aquele que foi escrito sabe-se lá
por quem e homologado no instante mesmo em que você nasceu. Mas e quem não
quiser seguir este script?
Clarice Lispector, que entendia de subversões emocionais,
morreu há 30 anos e recebeu uma justa homenagem... Em função deste evento, estive pensando muito
em Clarice e lembrei de como ela descreveu, certa vez, o sentimento de um
personagem: "Seu coração enchera-se com a pior vontade de viver". Ela
é complexa, angustiante, subjetiva e intensa. Ela, a pior vontade de viver. A
que não está disposta a negociar com a vontade dos outros. No entanto, esta que
foi chamada de a "pior" vontade pode ser também uma vontade genuína e
inocente. É a vontade da criança que ainda levamos dentro, entranhada. É o
desejo de açúcar, de traquinagem, de fazer algo escondido, de quebrar algumas
regras, de imitar os adultos. A "pior" vontade é curiosa, quer
observar pelo buraco da fechadura e depois, mais ousadamente, abrir a porta e
entrar no quarto proibido. A "pior" vontade é a de não se enraizar,
não assinar contrato de exclusividade, não firmar compromisso, não render-se às
vontades fixas, apenas às vontades momentâneas, porque as fixas correm o risco
de deixar de serem vontade para se transformarem em vaidade - como se sabe, há
sempre aqueles que se envaidecem da própria persistência. A "pior"
vontade não quer ganhar medalha de honra ao mérito, não quer posar para
fotografias, não quer completar bodas de ouro nem ser jubilada. A
"pior" vontade não faz a menor questão de ser percebida, ela quer ser
realizada. É quando você sabe que não deveria, mas vai. Sabe que não será
fácil, mas enfrenta. Sabe que tomarão como agressão, mas arrisca. Anote: apenas
sentem-se agredidos aqueles que te invejam. A vontade oficial, a vontade
santinha, a que não causa incômodo é a outra, a aprovada pela sociedade, a que
não leva em conta o que vai no seu íntimo, e sim a opinião pública. É a vontade
que todos nós, de certa forma, temos de mostrar para os outros que somos
felizes, sem saber que para conseguir isso é preciso, antes, ter a "pior"
vontade, aquela que faz você descobrir que ser feliz é ter consciência do
efêmero, é saber-se capaz de agarrar o instante, é lidar bem com o que não é
definitivo - ou seja, tudo. É com esta "pior" vontade de viver que
você atrai os outros, que seu magnetismo cresce, que seu rosto rejuvenesce e
que você fica mais interessante.
É uma pena que nem todos tenham a sorte de deixar
vir à tona esta que Clarice Lispector chamou de a pior vontade de viver, que,
secretamente, é a melhor.
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