Cena 1: você atravessa a madrugada escutando
músicas antigas, fumando dois maços e revendo fotos.
Cena 2: você se trancafia no banheiro, senta sobre a
tampa do vaso sanitário e dissolve-se de tanto chorar.
Cena 3: você se revira na cama sem conseguir pregar
o olho, pensando, lembrando, doendo.
Cena 4: você caminha por uma rua da cidade, sem
rumo, parando para uma cerveja num boteco estranho, onde ninguém lhe conhece...
que bom ser invisível.
Se é pra sofrer, que seja sozinho, onde seu rosto
possa estampar desalento, inchaços, nariz vermelho, olhar perdido, boca
crispada. Se é pra sofrer, que o corpo possa verter, vergar, amolecer. Se é pra
sofrer, que possa ser descabelado, que possa ser de pés descalços, que possa
ser em silêncio.
Que os demônios levem pro inferno aquele que bate à
nossa porta bem no meio da nossa fossa, aquele que telefona bem no auge das
nossas lágrimas, aquele que nos puxa para uma festa obrigatória. Malditos todos
aqueles com quem não podemos compartilhar nossa dor, e nos obrigam a fingir que
nada está se passando dentro da gente.
Disfarçar um sofrimento é trabalho de Hércules. Um
prêmio para todos aqueles que conseguem fazer com que os outros não percebam
sua falta de ânimo nos momentos em que ânimo é tudo o que esperam de nós: nas
ceias de Natal, jantares em família, reuniões de trabalho. Você não quer estar
ali, quer estar em Marte, quer estar em qualquer lugar onde não seja obrigado a
sorrir.
Há sempre o momento de pedir ajuda, de se abrir, de
tentar sair do buraco. Mas, antes, é imprescindível passar por uma certa
reclusão. Fechar-se em si, reconhecer a dor e aprender com ela. Enfrentá-la sem
atuações. Deixar ela escapar pelo nariz, pelos olhos, deixar ela vazar pelo
corpo todo, sem pudores. Assim como protegemos nossa felicidade, temos também
que proteger nossa infelicidade. Não há nada mais desgastante do que uma
alegria forçada. Se você está infeliz, recolha-se, não suba ao palco. Disfarçar
a dor é dor ainda maior.
2 comentários:
Muito bom!Bela e importante reflexão.Beijos, amiga Maria José!
Eu qdo estou triste fico na minha saiu de cena. Pq se divulgar tristeza mudasse algo, acho que o mundo seria muito diferente.
bjokas =)
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