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terça-feira, 23 de dezembro de 2014

SAUDADE NENHUMA DE MIM



Volta e meia, crônicas, romances e poemas terminam com a indefectível frase: "Saudades de mim". Será que eu já escrevi isso alguma vez, que sinto saudades de mim? Devo ter cometido, eu também, esta dramatização barata, somos todos reincidentes nos clichês. Mas, olha, sinceramente, não sinto, não.
Lembro de uma menina que se sentia uma estranha na sala de aula. Que adorava tomar lanche nas Lojas Americanas do centro da cidade. Que ficava esperando ser tirada pra dançar nas reuniões dançantes, e quando acontecia, que êxtase! Na vez em que foi tirada pelo garoto de quem ela era a fim (e ele a apertou mais do que os bons modos permitiam), os pais da menina chegaram justo naquela hora para buscá-la, sua primeira grande frustração. Lembro do primeiro beijo da menina, ela completamente nervosa. Lembro da menina já grande, em seu primeiro estágio, iniciando vida profissional. Lembro da menina agindo como adulta, indo morar fora do país. Lembro da menina voltando, sem resquícios da menina que havia sido. Saudades dela? Afeto por ela. Saudades eu tenho de nada.
Não voltaria um único dia na minha vida, e lembranças boas é o que não me faltam. Não voltaria à infância - mesmo nunca mais tendo sentido tanto orgulho de mim quanto senti no dia em que ganhei minha primeira bicicleta sem rodinhas auxiliares, aos 6 anos, e saí pedalando sem ajuda, já no primeiro minuto, sem quedas no currículo. Não voltaria à adolescência, quando fiz minhas primeiras viagens sozinha com as amigas e aprendi um pouquinho mais sobre quem eu era - e sobre quem eu não era. Não voltaria ao dia em que minhas filhas nasceram, que foram os dias mais felizes da minha vida, de uma felicidade inédita porque dali por diante haveria alguma mutilação na liberdade que eu tanto prezava - mas, por outro lado, experimentaria um amor que eu nem sonhava que podia ser tão intenso. Não voltaria ao dia de ontem - e ontem eu era mais jovem do que hoje, ontem eu era mais romântica do que hoje, ontem eu nem tinha pensado em escrever esta crônica, ontem faz mil anos. Não tenho saudades de mim com menos celulite, não tenho saudades de mim mais sonhadora. Não voltaria no tempo para consertar meus erros, não voltaria para a inocência que eu tinha - e tenho ainda. Terei saudades da ingenuidade que nunca perdi? Não tenho saudades nem de um minuto atrás. Tudo o que eu fui prossegue em mim.

Um comentário:

clique documental disse...

Que bonito Maria José!
Fala muito apropriada a sua. E o texto é perfeito!
Viver o presente tende a ser o melhor opção. Estou neste caminho... aprendendo...

Grande abraço