Era saudade, sim, eu pude dar nome quando tocou o
meu instante com mãos de surpresa e me convidou pra sentir. Eu deixei que
crescesse, que expandisse seus ramos, que florisse com calma, sem tentar
adiá-la ou entretê-la, essas coisas que às vezes a gente tenta fazer com
saudade que machuca, e vez ou outra até consegue. Mas aquela, eu pressenti pela
melodia do perfume que emanava, aquela não tinha a mínima intenção de ferir.
Aquela não saberia, ainda que tentasse. Aquela, eu sei, não tentaria.
Não era daquelas saudades que fazem a musculatura
da vida ficar toda contraída de dor. Daquelas que amordaçam as flores e
espantam as borboletas. Daquelas que engasgam o canto e fazem as asas
encolherem. Daquelas traiçoeiras que, na primeira oportunidade, quebram as
pontas dos nossos lápis de cor. Daquelas que escondem os brinquedos da gente
nas prateleiras mais altas e, por via das dúvidas, encurtam os braços do nosso
contentamento. Daquelas que inflam nuvens que depois inundam tudo de carência e
de tristeza. Não, aquela não.
Aquela era uma saudade feita de um punhado de
sorrisos viçosos floridos no jardim da memória. Era pássaro que cantava macio
na árvore mais frondosa da minha gratidão. Era mar que estendia ondas suaves de
ternura por toda a orla dos meus olhos. Aquela era dessas saudades que toda vez
que dizem acendem um mundaréu de estrelas no céu do coração. Era uma certeza de
que a vida sempre arruma maneiras para aproximar as almas irmãs, esses anjos
vestidos de gente que tornam mais fácil e mais feliz a nossa temporada de aulas
e recreios nesse mundo.
Aquela era dessas saudades bem-vindas que trazem
também descanso e alegria na sua cesta de bênçãos. Era dessas saudades que
derrubam cercas e desenham pontes. Era dessas saudades que desembrulham
lembranças que deixam o instante da gente todo perfumado de Deus. Aquela era
dessas saudades generosas que bordam sol no tecido da alma com os seus lindos
fios de amor.
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