Em muitos trechos do caminho, às vezes bem longos,
carregamos muito peso na alma sem também notar. A gente se acostuma muito fácil
às circunstâncias difíceis que às vezes podem ser mudadas. A gente se adapta demais
ao que faz nossos olhos brilharem menos. A gente camufla a exaustão. A gente
inventa inúmeras maneiras para revestir o coração com isolamento acústico para
evitar ouvi-lo. A gente faz de conta que a vida é assim mesmo e ponto. A gente
arrasta bolas de ferro e faz de conta que carrega pétalas só pra não precisar
fazer contato com as nossas insatisfações e agir para transformá-las. A gente
carrega tanto peso, no sentimento, um bocado de vezes, porque resiste à mudança
o máximo que consegue, até o dia em que a alma, cansada de não ser olhada,
encontra o seu jeito de ser vista e de dizer quem é que manda.
Eu fiquei pensando no que esse peso todo,
silenciosamente, faz com a alma. No que isso faz com os sonhos mais bonitos e
charmosos e arejados. No que isso, capítulo a capítulo, dia-a-dia, faz com a
nossa espontaneidade. No que isso faz, de forma lenta e disfarçada, com o
desenhista lindo que mora na gente e traça os risos de dentro pra fora. E o
entusiasmo. E o encanto. E a emoção de estarmos vivos.
Eu fiquei pensando no quanto é chato a gente se
acostumar tanto. No quanto é chato a gente só se adaptar. No quanto é chato a
gente camuflar a própria exaustão, a vida mais ou menos há milênios, que canta
pouco, ri pequeno e quase não sai pra passear.
Eu fiquei pensando no quanto é chato a gente deixar
o coração isolado para não lhe dar a chance de nos contar o que imagina pra nós
e o que podemos desenhar juntos nessa estrada. Mas chega um momento em que me
parece que, lá no fundo, a gente começa a desconfiar que algo não está bem e
que, ainda que seja mais fácil culpar Deus e o mundo por isso, vai ver que os
algozes moram em nós, dividindo espaço com o tal desenhista lindo que,
temporariamente, está com a ponta do lápis quebrada.
Sem fazer alarde, a gente começa a perceber os
tímidos indícios que vêm nos dizer que já não suportamos carregar tanto peso
como antes e a viver só para aguentar. Devagarinho, a gente começa a sentir que
algo precisa ser feito. Embora ainda não faça. Embora ainda insista em fazer
ouvidos de mercador para a própria consciência. Embora ainda estresse toda a
musculatura da alma, lesione a vida, enrijeça o riso, embace o brilho dos
olhos, envenene os rios por onde corre o amor. Por medo da mudança, quando não
dá mais para carregar tanto peso, a gente aprende a empurrá-lo, desaprendendo
um pouco mais a alegria. Quase nem consegue respirar de tanto esforço, mas
aguenta ou pelo menos faz de conta, algumas vezes até com estranho orgulho. Até
que chega a hora em que a resistência é vencida. A gente aceita encarar o
casulo. A gente deixa a natureza tecer outra história. A gente permite que a
borboleta aconteça.
Nascemos para aprender a amar, a dançar com a vida
com mais leveza, a criar mais espaço de conforto dentro da gente, a ser mais
felizes e bondosos, a respirar mais macio, essa é a proposta prioritária da
alma, eu sinto assim. Podemos ainda subestimar a nossa coragem para assumir
esse aprendizado. Podemos nos acostumar a olhar o peso e o aperto, nossos e dos
outros, tanto sofrimento por metro quadrado, como coisa que não pode nunca ser
transformada. Podemos sentir um medo imenso e passar longas temporadas quase
paralisados de tanto susto. Podemos esgotar vários calendários sem dar a menor
importância para o material didático que, aqui e ali, a vida nos oferece.
Podemos ignorar as lições do livro-texto que é o tempo e guardar, bem escondido
do nosso contato, esse caderno de exercícios que é o nosso relacionamento com
nós mesmos e com os outros.
Apesar disso tudo, a nossa semente, desde sempre,
já inclui as asas. Já inclui o voo. Já inclui o riso. Já é feita para um dia
fazer florir o amor que abriga. E, mais cedo ou mais tarde, ela floresce.
3 comentários:
Olá Maria José
Mas tem dias que achamos que não vamos aguentar tanto peso, só mesmo com fé em Deus nos reerguemos.
Bjux
Nossa, que profundo este texto...amei! bjs
A vida é um grande aprendizado.
E vamos dançando conforme o ritmo que ela toca, qdo achamos que não podemos continuar uma força interior surge mostrando que vc pode e deve.
Assim atravessamos situações e problemas e ganhamos aprendizados.
bjokas =)
Postar um comentário