Eu estava triste, o coração apertadinho, o tempo
chuvoso no rosto. O pensamento andando em círculos em torno de um único ponto.
Na berlinda, um daqueles problemas que a gente precisa resolver, mas não tem a
mínima ideia de como. Daquele tipo espaçoso, metido à besta, que diz ser maior
do que nós e a gente quase acredita. Todo mundo se depara com um mentiroso
desses, de vez em quando. Eles não são seletivos, batem em tudo o que é porta.
Astutos, encontram um jeito para entrar mesmo quando tentamos impedir. Alguns
nem são novos como o impacto do desconforto faz parecer. Reaparecem, de tempos
em tempos, com novidades da versão atualizada do seu programa. Novidades que,
às vezes, tornam um pouco mais complicado o que já era difícil.
Eu estava lá há um tempão, olhando para o dito
cujo, assustada como um passarinho que se flagra num alçapão. Não conseguia ver
um fiapo que fosse de outra coisa qualquer além dele. Problema espaçoso, metido
à besta, é assim: se a gente lhe der muita confiança, ele monopoliza o tempo do
nosso olhar sem nenhum constrangimento. Mas, de repente, eu cansei do
cativeiro. Da tristeza. Do aperto. Da chuva no rosto. Por algum lampejo de
lucidez, percebi que nada daquilo me ajudaria a solucioná-lo naquele momento,
embora fosse o que eu mais quisesse. Só se o gênio da lâmpada aparecesse ali e
me concedesse um pedido, mas como a lâmpada mais próxima ficava no lustre,
desconfiei não poder contar com aquela alternativa. Foi aí que peguei meu
violão.
Comecei a tocar meio desanimada, cantarolando uma
música aqui, outra ali, a voz ainda atrapalhada pelos respingos da tristeza,
mas sem me importar com o detalhe de não saber tocar nem cantar de verdade.
Depois de alguns minutos, envolvida com a brincadeira, eu já não sentia tão
intensamente o peso do tal problema, aquele que eu não poderia resolver de uma
hora pra outra. Não demorou para que o meu coração ficasse mais solto e o tempo
chuvoso me desse uma trégua. Não foi mágica, apenas uma mudança consciente de
foco. Troquei de canal para levar minha vida pra passear um pouco. Para soprar
algumas nuvens. Para respirar melhor. Ao permitir que o pensamento se
dissipasse, abri espaço para mudar meu sentimento. O problema continuava no
mesmo lugar; eu, não. Nós nos encontraríamos outras tantas vezes até que eu
pudesse solucioná-lo, mas eu não precisava ficar morando com ele enquanto isso.
Os pensamentos preparam armadilhas pra gente. Ao
cairmos nelas, nos enredamos de tal maneira que esquecemos ser capazes de sair
de lá. A vastidão da nossa alma fica reduzida a um cubículo, como se não
tivesse espaço suficiente para abrigar uma variedade de sentimentos. Passamos a
nos comportar como se tivéssemos apenas um lápis de cor e não a caixa inteira.
Nós nos apegamos a alguns pensamentos e lhes conferimos exclusividade. Nós lhes
damos o cetro e a coroa e afirmamos o seu poder sobre as nossas emoções.
Ficamos presos neles, feito passarinho quando cai no alçapão. A diferença é
que, por mais que tente, ele não pode sair de lá sozinho, ao contrário de nós.
Passarinho tem asas do lado de fora. A gente, do lado de dentro.
Um comentário:
oi minha amiga,
as vezes esqueço que tenho asas,
mas quando me lembro delas,
me alargo toda por dentro e desfruto desse milagre...
beijinhos
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