Veja se dá para entender: a gente, para a gente
mesmo, é a gente. Raramente consegue ser o outro. A gente, para o outro, não é
a gente, é o outro. Deve estar confuso. Tento de novo. Cada um de nós vive uma
ambiguidade fundamental: ser a gente e ao mesmo tempo, ser o outro. Pra gente,
a gente é a gente. Para o outro, a gente é o outro.
Temos, portanto, dois estados: ser o eu de cada um
de nós e ser o outro. Na vida de relação, pois temos que saber ser o ‘eu
individual’ e ao mesmo tempo, aceitar funcionar em estado de alteridade (outro
vem de ‘alter’), ou seja, de ‘outro’.
O outro, raramente nos considera como a gente (como
pessoa singular, peculiar, própria, única, desigual). Em geral, ele nos
considera como o ‘outro’. Daí surgem os conflitos. Não apenas o outro em geral
não nos considera como ‘a gente’. Também a gente não sabe aceitar, ou raramente
aceita, ser tratado como ‘outro’. A gente quer ser tratado como a gente sabe
que é, e não como o outro nos considera.
A gente sempre tem esperança que o outro descubra o
que a gente é. Mas isso é muito difícil, porque o outro nos vê como ‘outro’ ou
como qualquer projeção dele, jamais nos vê como a gente se vê ou quer ser visto
ou gostaria de ser visto.
Uma relação de duas pessoas dá-se, portanto, em
quatro etapas: i) para Joaquim, Maria é o outro; ii) para Joaquim, Joaquim é
Joaquim; iii) para Maria, Joaquim é o outro; iv) para Maria, Maria é Maria.
Mas Maria quer que Joaquim não a veja como ‘o
outro’ e sim como Maria. E Joaquim não quer ser visto como ‘o outro’, ele quer
ser visto como Joaquim. Mas nem Maria o vê como Joaquim (e sim como ‘o outro’),
nem Joaquim a vê como Maria (e sim como ‘o outro’ na pessoa dela).
É essa a vontade de que nos vejam como
individualidade que somos, o que nos leva a exigir talvez demais daqueles que
se relacionam conosco. Eles talvez não estejam preparados (raramente estão)
para nos ver como ‘eus’, como unidades próprias, como somos ou como queremos
ser.
Exigir dos demais que nos vejam em nossa individualidade
é um fato de pouca sabedoria. Raramente eles o conseguem, porque se somos ‘eu’
para nós mesmos, somos outro para eles. Em estado de ‘eudade’ (de eu), somos uma pessoa. Em estado de alteridade, somos
outra pessoa.
Conseguir, sem exigir ou cobrar, porém, que o outro
não nos veja como ‘o outro’ que somos para ele, mas como o ‘eu’ que somos para
a gente, é ato de sabedoria. Significa saber ser nítido, saber colocar-se como
pessoa e como individualidade, saber ocupar o próprio espaço sem qualquer invasão
do espaço dos demais ou sem qualquer limitação do que eles são e nos agregamos,
por inveja ou por admiração (coisas muito parecidas).
Para tal, é mister que saibamos ver o outro não
apenas como o ‘outro’, mas como o ‘eu dele’ para ele. Mais claro: significa ver
o outro como ele é, na condição de ‘eu’, ou seja, de indivíduo próprio,
peculiar, semelhante sim, mas desigual e não na condição de ‘outro’, que é como
ele chega até nós.
É no centro dessa relação que está a essência do
problema da comunicação e da comunhão (que vem a ser a mesma coisa).
Eu devo ser ‘eu’ para mim e para o outro. O outro
deve ser o ‘eu-dele’ para mim. Eu devo aceitar ser ‘o outro’ para o outro. Mas
devo desejar e conseguir ser ‘eu’ para ele. Eu, em estado de ‘eu’, devo
aceitá-lo como outro. Eu, em estado de ‘outro’, devo aceitá-lo como o eu dele.
Eu e ele somos ao mesmo tempo ‘eu’. Eu e ele somos ao mesmo tempo ‘ele’. Ele é
‘eu’ mas também é ele. Por isso somos, ao mesmo tempo, semelhantes e
diferentes. Por isso somos irmãos. Por isso a humanidade é uma só. Por isso a
igualdade humana é uma verdade, na diferença individual.
E, para terminar, um outro alcance, paralelo ao
principal, mas verdadeiro nas relações humanas: o outro nunca sabe direito o
que ele é e representa para a gente. E a vida nos vai ensinando a ser cada vez
mais sozinhos, pelo acúmulo de não correspondência daqueles que sempre nos
significam algo, mas nunca o souberam ou perceberam na exata medida. Ou então,
preocupados em excesso com os próprios problemas nunca atenderam ao potencial
de afeto que por eles ou para eles havia em nós e foi desgastando em uso ou
dispersão, já que não o souberam receber.
Às vezes esse ‘outro’ é mesmo o outro. Aí é a gente
que fica com o próprio gesto de amor solto no ar à espera de aceitação,
entendimento e correspondência. Em ambos os casos, dói. Mas isso já é outra
crônica.
3 comentários:
Amiga, feliz dia das mães.
Beijos.
MARIA JOSÉ:Acho que hoje penso mais em mim mesmo, nos conceitos que tenho da vida...!Não olho muito o que o outro pensa de mim....!Amiga, seja mais feliz neste dia tão especial.Feliz Dia das Mães.Bjs.
Para muito é difícil ver o outro como outro...
Adorei beijo Lisette.
Postar um comentário