É mais ou menos assim: um dia você
acorda quadrada, ou talvez, ballonnée, ou pior, com jeito de matrona! A
menopausa não é colega - ouvi de uma mulher numa sala de espera de
dermatologista. Estávamos as duas com os rostos inchados e chamuscados por
lasers e peelings, folheando perversas revistas de moda e frivolidades, onde
todos são jovens e felizes, depositando míseras gotículas de esperança nos
raios que nos partem daqueles aparelhos de última geração. Balancei a cabeça
como uma vaca no matadouro e, sem pestanejar, movida pela absoluta cumplicidade
daquele instante, falei para a minha colega: A menopausa é uma filha da mãe,
isso sim! Caímos na maior gargalhada e assim ela se tornou a minha primeira
amiga de menopausa.
A menopausa é um sequestro. Uma
versão, só para mulheres, de praga bíblica. Inferno astral que antecede a
terceira idade. É tragicômica, portanto, para encarar, só rindo. Um dia você está no meio da sua normalidade, é
arrancada de tudo que você tem como referência física de si mesma e é lançada a
uma espécie de funilaria às avessas. A libido diminui na mesma proporção em que
aumenta a irritabilidade. Você não só não pensa tanto, nem gosta tanto,
nem se importa tanto mais com sexo, como para compensar vira uma criatura
instável, pavio curto, sem paciência para nada, capaz de discutir com poste, de
deprimir à toa, ter crise de choro com anúncio de seguradora e ataques
de ansiedade ao ler o jornal. Enfim, você vira uma pessoa bem complicada, ou
melhor, complexa. E, até então, você achava que TPM era o pior que podia
acontecer...
Os sintomas aparecem
inadvertidamente, como assaltantes, em maior ou menor intensidade, bizarros e
infalíveis. Lá estão eles: ressecamento - escolha onde e você terá; celulite -
a pele de pêssego é substituída pela casca de laranja; flacidez - e a triste
irrevogabilidade da lei da gravidade; manchas senis - essas pelo menos trazem o
consolo dos muitos verões bem vividos; insônia - e com ela balanços complicados
da vida; calores - esses são um requinte de crueldade, tão desprovidos de sentido
que nos fazem refletir sobre a transcendência da agonia dos ovos cozidos;
esquecimentos - sua memória vira uma espécie de vácuo e você passa por
constrangimentos inenarráveis como aquela frase típica: "sabe aquele
filme, daquele diretor, com aquela atriz, como é mesmo o nome?"; ossos de
papel - e o perigo de tombos ridículos resultarem em cirurgias espetaculares
onde pinos e próteses são implantados sem cerimônia; cabelos ralinhos de palha
de milho - a sua trança de potranca virou um tererê; cintura - convexa ou quase
inexistente com direito àqueles dois afundadinhos nas costas, como se você
fosse feita de massinha de modelar; olhar - embaçado por uma nata azulada
(catarata, não!!!) toldado por pálpebras fofas, generosas - e você começa a
achar que tem ascendência mongol; juntas sacanas - com data de validade vencida
e, como se não bastasse, a lembrança recente, acachapante, perturbadora e
descompassada de como você era antes da menopausa. Você era jovem ontem! Que
dó, que desperdício!
Esse é o ponto crucial: o
estranhamento entre o que vemos e a nossa imagem interna. Não se trata de
negação da velhice, da morte. Não. É bem mais simples e raso: você simplesmente
não gosta do que vê! Trata-se de uma incapacidade temporária para sobrepor
imagens, aceitar limitações, apurar um outro olhar.
Você ainda não tem parâmetros para
entender em que você está se transformando. Você resiste bravamente. Convoca
uma legião de especialistas, as forças do Bem, o exército da salvação. Faz
reposição hormonal, contrata um personal, dá uma passada na sex shop, engole
quilos de soja, linhaça e suco de cramberry, toma antidepressivo, Omega 3,
aplica botox, faz drenagem linfática, vai ao plástico, ao dermatologista, ao
ortomolecular, à nutricionista, ao psicanalista, ao astrólogo, à fisioterapeuta
e ouve o seu ginecologista como se ele fosse o oráculo de Delfos. Seus modelos
e referências estão no passado e a menopausa - trombeta apocalíptica - anuncia
um futuro onde você vai ter de mostrar que aprendeu as lições, mereceu cada
ruga e está pronta para mais trinta anos.
A menopausa é uma puberdade
invertida. E, como tal, é também casulo, travessia, transformação. Divisor de
águas, experiência de deserto, freio de arrumação, faxina. Teste crucial de
espírito esportivo, capacidade de adaptação e instinto de sobrevivência. Passa.
Demora, mas passa, e você sobrevive, como sobreviveu à pororoca hormonal da
adolescência; você há de superar o declínio daqueles mesmos hormônios e seus
asseclas que um dia já te enlouqueceram. (Esqueceu que você sobreviveu, com
muito menos recursos, às cólicas, às espinhas, aos pelos encravados, aos
ovários policísticos, à vergonha do próprio corpo, à oscilação de humor e à
melancolia dos anos tenebrosos da adolescência?)
E aí, passada a tempestade, vem a
bonança, a libertação. Você estará livre de ter que ser bonita, magra,
eficiente, querida, desejável, vencedora, fértil, competitiva, invejada,
elegante, gostosa, informada, culta, legal, conectada, tudo ao mesmo tempo.
Ufa!!! Depois dos achaques, perrengues e mudanças, a menopausa inaugura a
maturidade: a síntese da mulher que você construiu ao longo dos anos, fases e
etapas, a essência que fica, depois que os papéis de jovem fêmea produtiva
estão cumpridos.
Seu rosto é a cara da sua vida.
Sua bagagem é tão grande que dá para jogar fora um monte de supérfluos e pesos
mortos. Seu tempo é só seu e você não precisa provar mais nada para ninguém.
Seu maior desafio é ter-se tornado uma boa companhia para si mesma. Você
reformula premissas, um estar no mundo mais relaxado, uma maior complacência
com suas imperfeições, dificuldades e vícios. Você já não quer mudar o mundo,
você quer compreendê-lo; você já não precisa agradar às pessoas, você quer
viver em paz e ser respeitada. Não há mais pressa; a vida vira um bom vinho a ser
apreciado, com generosidade e prazer.
A menopausa é um tremendo rito de
passagem. Talvez o último antes da definitiva passagem. Inevitável e
necessário. Coisa de gente grande. O relógio biológico é inclemente, imparcial
e, portanto, justo. Haja coragem e bom humor! Não há negociação possível, apenas
a vida seguindo seu curso.
Então, que venham os ciclos,
todos. Com seus sustos, sombras e transformações. Com suas libertações,
rearranjos e alegrias. Que venham os dias, as horas, as marés, as auroras,
todas.