Entro num museu, paro em frente a um quadro, a uma
escultura, a uma cerâmica, e enxergo o aviso: não pode tocar. Não posso, então
não toco, tudo bem. Não tocarei pra não estragar, pra não quebrar, pra durar
por muitos séculos. Nada de sentir a textura do material, nada de deixar minhas
digitais impressas, nada de arranhar a tela com minhas unhas mal lixadas, de
desgastar as cores com meus dedos imundos. Então a gente respeita, não chega
muito perto, não atravessa a linha amarela, nada de macular a obra com nosso
hálito quente e nosso olhar aproximado demais.
Assim é também entre homens e mulheres, entre pais
e filhos, entre amigos que procuram se proteger: não se pode tocar em
determinados assuntos.
Há questões que arriscam ser maculadas com
palavras, que um olhar aproximado demais poderia danificar. Instaura-se sempre
um silêncio de museu ao nos aproximarmos de temas perigosos. Tolera-se apenas o
som da tevê, de um teclado de computador, de alguém falando ao telefone, ruídos
parecidos com silêncio, já que não fazem barulho excessivo, não incomodam o
suficiente. Palavras incomodam o suficiente. Vamos falar sobre o que nos
aconteceu dez anos atrás. Vamos conversar sobre a morte do seu pai. Vamos
tentar entender juntos a razão de você estar bebendo desse jeito. Me diz o que
te perturbou na infância. Não, não quero tocar neste assunto.
Mantenha-se atrás da faixa amarela, não chegue
muito perto, não acerque-se de meus traumas, não invada meus mistérios, não
atrite-se com o meu passado, não tente entender nada: é proibido tocar no
sagrado de cada um.
Todas as relações do mundo possuem sua prateleira
de cristais. Há sempre um suspense, uma delicadeza ao transitar pela
fragilidade do outro. Melhor não falar muito alto, é mais prudente ir devagar e
com cuidado. Para não estragar, pra não quebrar, pra durar por muitos séculos.
2 comentários:
Maravilhoso o seu texto Maria José.
Graças a Deus que em casa nunca teve proibição para qualquer assunto, meus pais nos motivaram sempre a fala,falar, falar e ouvir e nos ensinando a nos descobrir como pessoas, hoje eles não mas existem, mas nos deixam um legado maravilhoso que passamos para nossos descendentes e como gostamos de sentar em volta de uma mesa e nos descobrir mais um pouco, bom demais, amo muito tudo isso.
Um abraço querida.
Lindo o seu texto!Parabéns.Uma ótima semana pra ti.
Abraço.
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