Se você é deste século, já sabe que há duas tribos
que definem o que é um relacionamento moderno.
Uma é a tribo dos ficantes. O ficante é o cara que
te namora por duas horas numa festa, se não tiver se inscrito no campeonato
“Quem pega mais numa única noite”, quando então ele será seu ficante por bem
menos tempo — dois minutos — e irá à procura de outra para bater o próprio
recorde. É natural que garotos e garotas queiram conhecer pessoas, ter uma
história, um romance, uma ficada, duas ficadas, três ficadas, quatro ficadas...
Esquece, não acho natural coisa nenhuma. Considero um desperdício de energia.
Pegar sete caras. Pegar nove “mina”. A gente está
falando de quê, de catadores de lixo? Pegar, pega-se uma caneta, um táxi, uma
gripe. Não pessoas. Pegue-e-leve, pegue-e-largue, pegue-e-use, pegue-e-chute,
pegue-e-conte-para-os-amigos.
Pegar, cá pra nós, é um verbo meio cafajeste. Em
vez de pegar, poderíamos adotar algum outro verbo menos frio. Porque, quando
duas bocas se unem, nada é assim tão frio, na maioria das vezes esse “não estou
nem aí” é jogo de cena. Vão todos para a balada fingindo que deixaram o coração
em casa, mas deixaram nada. Deixaram a personalidade em casa, isso sim.
No entanto, quem pode contra o avanço (???) dos
costumes e contra a vulgarização do vocabulário? Falando nisso, a segunda tribo
a que me referia é a dos namoridos, a palavra mais medonha que já inventaram.
Trata-se de um homem híbrido, transgênico.
Em tese, ele vale mais do que um namorado e menos
que um marido. Assim que a relação começa, juntam-se os trapos e parte-se para
um casamento informal, sem papel passado, sem compromisso de estabilidade, sem
planos de uma velhice compartilhada — namoridos não foram escolhidos para serem
parceiros de artrite, reumatismo e pressão alta, era só o que faltava.
Pois então. A ideia é boa e prática. Só que o
índice de príncipes e princesas virando sapo é alta, não se evita o tédio
conjugal (comum a qualquer tipo de acasalamento sob o mesmo teto) e pula-se uma
etapa quentíssima, a melhor que há.
Trata-se do namoro, alguns já ouviram falar. É
quando cada um mora na sua casa e tem rotinas distintas e poucos horários para
se encontrar, e esse pouco ganha a importância de uma celebração.
Namoro é quando não se tem certeza absoluta de
nada, a cada dia um segredo é revelado, brotam informações novas de onde menos
se espera. De manhã, um silêncio inquietante. À tarde, um mal-entendido. À
noite, um torpedo reconciliador e uma declaração de amor.
Namoro é teste, é amostra, é ensaio, e por isso a
dedicação é intensa, a sedução é ininterrupta, os minutos são contados, os
meses são comemorados, a vontade de surpreender não cessa — e é a única relação
que dá o devido espaço para a saudade, que é fermento e afrodisíaco. Depois de
passar os dias se vendo só de vez em quando, viajar para um fim de semana
juntos vira o céu na Terra: nunca uma sexta-feira nasce tão aguardada, nunca
uma segunda-feira é enfrentada com tanta leveza.
Namoro é como o disco “Sgt. Peppers”, dos Beatles:
parece antigo e, no entanto, não há nada mais novo e revolucionário. O poeta
Carlos Drummond de Andrade também é de outro tempo e é para sempre. É ele quem
encerra esta crônica, dando-nos uma ordem para a vida: “Cumpra sua obrigação de
namorar, sob pena de viver apenas na aparência. De ser o seu cadáver
itinerante".
3 comentários:
oi minha amiga,
perfeito,
vou levar,
o somente amor merece esse texto...
beijinhos
MARIA JOSÉ,
“Cumpra sua obrigação de namorar, sob pena de viver apenas na aparência. De ser o seu cadáver itinerante".
È JUSTAMENTE AQUILO QUE FAZEMOS, né AMOR? Bjs. Roy Lacerda.
Eu prefiro namorar.
Esse lance de ficar é bom mas desgasta o emocional, a gente quer alguém do nosso lado para mimar, amar, abraçar e não só por horas.
bjokas =)
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