Bom lembrar, a quem não sabe, que
a citara é composta de duas camadas de cordas superpostas, uma sobre a outra,
muito próximas, sem nunca se tocarem. A camada de cima é sensibilizada pelo músico,
e a de baixo, não pode nunca ser tocada pelos dedos.
Quem pouco entende dos segredos
sonoros pode perguntar-se por quê razão um instrumento musical tem cordas que
não são tocadas. A beleza desse mistério está justamente na harmonia que enlaça
as duas camadas.
Os dedos não tocam a de baixo
para que suas cordas possam vibrar pela magia de uma coisa muito mais sutil que
os dedos. Tangidas pelos sons que brotam das primeiras, elas reverberam e fazem
nascer uma outra música, diversa daquela que o artista produziu.
Eis o segredo. Eis a
sensibilidade. Olhemos agora para nós.
Quem sabe sejamos citaras
humanas, que vivem dentro de um encanto chamado vida, provocado pelo carinho
criador de Deus.
Lá dentro, no fundo de nossa
essência, estão as segundas cordas de uma única verdade, que os dedos nunca
tocam, mas que fazem ouvir uma outra voz, a vibrar pelos escaninhos do
silêncio.
Vem de lá uma canção imortal,
jamais tocada, mas que, se ouvida, pode dizer muito de nós. Talvez seja esta a
melodia diferente que os bons médiuns ouvem.
Aqueles que leem com amor o
não-dito das palavras humanas, separando a mentira da verdade, o joio do trigo,
escolhendo o bem. Talvez seja, essa música oculta, a melhor definição de
amizade.
Afinal, o que um amigo faz senão
educar-se para escutar nosso silêncio, que às vezes busca um abraço, um momento
de atenção para aplacar sua melancolia?
Um amigo é também algo mais. É
aquele que faz do seu sossego um recanto confiável, onde o outro pode guardar
seus segredos e não ter medo de perdê-los.
Um amigo é aquele onde nossa
segunda pauta encontra eco, porque sabe que no âmbito da amizade a solidão é um
convite ao recolhimento, para que sejamos ouvidos, para que possamos
reverberar.
Nos braços de uma amigo, nossa
solidão se dilui no suave aroma da partilha. Você, a quem muitos consideram
verdadeiro irmão, pode treinar os ouvidos do sentimento para escutar uma nova
melodia.
Preste, porém, menos atenção no
que as pessoas irão tocar e mais nos sons daquelas cordas que nunca serão
tangidas. Aproveite, também, para apreciar a beleza da música que brota de todo
lugar. Aí escutará a segunda canção de Deus, convidando-o a que habite uma
realidade nova: a de ser, finalmente, um bom e melhor amigo, que com muito
amor, aprendeu a chamar os outros para fora da solidão.
2 comentários:
Achei a comparação, entre a cítara e o homem, fabulosa!
É necessário que saibamos encontrar dentro de nós a harmonia dos sons e dos sentimentos.
Beijo e uma boa semana.
Graça
oi minha amiga,
sábia comparação,
e que nossos dias sejam melodiosos e harmônicos...
beijinhos
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