Então leia o post da advogada mineira Raquel Carvalho.
Um tempo atrás, conversávamos sobre as benesses de estar com
amigos leves, divertidos, que nos sabem e têm autorização para dizer verdades
lúdicas que jamais admitiríamos vindas de outras pessoas. No meio do papo,
regado a gargalhadas, um colega sentenciou:
- Não quero gente com problema por perto. Não dá! Não tenho tempo,
estrutura, disponibilidade… Preciso de gente positiva, que enfrenta a vida, que
sabe brincar com as próprias desgraças. Problemas? Reclamações? Tou-fo-ra!
As frases estão ecoando em meus ouvidos até agora. É certo que
viver ao lado de reclamões, do tipo “sempre têm uma desgraça monumental a cada
dia”, é muito difícil. Mas será que não estamos confundindo essa dificuldade
com a total ausência de disponibilidade para “estar ao lado de”?
Tenho cá para mim que, para partilhar a vida com uma pessoa – seja
o amor da sua vida, seja alguém da família, amigo, empregado ou colega de
trabalho –, é preciso ter consciência de que o “dia da tranqueira” chegará.
Pode ser a perda do emprego, de alguém querido, da saúde, de dinheiro, do
equilíbrio, da paz familiar… Não importa o quê. Todos enfrentam períodos
terríveis a que precisam sobreviver.
Se adotarmos como regra geral a teoria “problemas? Tou fora!” como
é que vai ser? Com quem conviveremos? Cada um sairá por aí fazendo uma seleção
das pessoas que, no momento, estão sem problemas e o convívio se restringirá a
elas? O afeto sobrevive a esse tipo de seleção que, auto salvadora, soa bem
egoísta? Não é crueldade simplesmente ignorar alguém no momento em que mais
necessita, ainda que seja para se proteger?
É verdade que conviver com uma pessoa que tem desafios seguidos e
perdas múltiplas não é fácil. Muitas vezes somos tragados por buracos negros
que não são nossos. Ser companheiro e saber se preservar, numa atitude
saudável, é arte para poucos. Logo, é impossível negar a dificuldade de estar
ao lado de alguém que passa por fase(s) ruim(ns). Mas não é também para isso
que existem a família, os amigos, esses sistemas que integramos e que nos
servem de apoio? Essa partilha não é inerente ao convívio? É possível amar,
gostar, ser amigo e não se envolver com o que de ruim acontece com a pessoa que
está ao lado?
Escrevendo isso, lembrei (fui atrás e encontrei) o e-mail de uma
querida amiga, a Andrea, sobre o assunto. Ela ponderava que, num mundo de
tantas demandas, estamos todos sobrecarregados e nos falta paciência para lidar
com as dificuldades: “Em tempos de amizades virtuais, as pessoas se esquecem de
que nós, pobres seres humanos, não somos apenas um perfil numa página da
internet. (…) Talvez o que esteja faltando nas relações humanas seja mesmo o
contato, a convivência, a paciência, o saber ouvir os queixumes do outro.”
Ao reler o e-mail, fiquei me perguntando: será que desaprendemos a
amar? Há quem diga que nunca o soubemos. Argumenta-se que o apoio obtido em
determinadas esferas, historicamente, pouco teve de sentimento de amor como
fundamento, sendo muito mais embasado em questões econômicas, políticas e
financeiras. Esse seria, por exemplo, o caso da família que jamais teria sido o
núcleo de afeto idealizado por tantos, mas só uma instituição que serviu (e
serve) a outros propósitos outros como preservação do patrimônio, segurança dos
seus integrantes e das gerações futuras.
Ok. É inviável descartar alguns desses elementos historicamente
comprovados. No entanto, cabe admitir que vínculos de amizade, afeto no núcleo
familiar, amor nas relações a dois e apoio sincero no trabalho não são coisas
impossíveis, nem irreais e muito menos fantasiosas. Acho que são possibilidades
reais para aqueles que sabem trocar. Falo da turma que aprendeu a dar e a
receber, que sabe pedir e se doar. Refiro-me ao pessoal que se dispôs a confiar
nas pessoas e, mesmo com alguns tombos, decidiu continuar confiando naqueles
que se mostrem merecedores disso. É uma galera que não dá as costas fingindo
que “não é comigo”, quando um desafio surge e implica sacrifícios gerais; a que
está ao seu lado soltando foguetes nos momentos do seu sucesso e é a mesma
turma que humildemente pede sua ajuda e que generosamente oferece auxílio quando
você precisa. Partilha. Par-ti-lha.
Fico pensando se cortar da vida quem tem problemas, pelo simples
fato de os ter, mesmo com o intuito de se manter a salvo, não seria uma
demonstração enorme de fraqueza e de incapacidade de amar? Eu chamo de
incapacidade de amar a falta de forças necessárias para suportar. E suportar
aqui significa “dar suporte”, uma parte indispensável da troca amorosa. Pessoas
fracas, frágeis demais ou que já perderam tanto, ao ponto de não terem
condições de estar ao lado em momentos ruins, são certeza de solidão nas horas
mais incertas da vida.
A falta da habilidade amorosa pode ser resultado de uma vida sem
bons modelos. Quem não presencia o afeto, não aprende; e, se não aprendeu, em
princípio não saberá agir, não terá recursos de que possa se valer no momento
em que for preciso apoiar ou trocar. Outros até aprenderam, em casa ou dando a
cara a tapa vida afora; o problema é que, no exercício cotidiano,
estreparam-se; então, desistiram e resolveram que precisavam se salvar. Para
eles, isso significa só querer o “lado bom, fácil e leve” das relações, motivo
por que correm de gente que passa apertos significativos e angustiantes.
Acho que é irrelevante a diferença que existe na “causa”: 1) não
aprendeu ou 2) aprendeu e depois desistiu. O que me parece importante e
preocupa é o grande número de pessoas que hoje vive os seus dias assim:
correndo de qualquer criatura que tenha levado um tranco daqueles. Quando a
maior parte das pessoas só admite viver no paraíso de uma ilha no Havaí, como passar
os dias no centro de uma grande cidade poluída, exatamente onde a maior parte
de nós habita? Não raras vezes, a solução para esse abismo é a
superficialidade, o fingimento, a distância e o irreal como experiência
cotidiana. Desconfio que um pouco da euforia exarcerbada das redes sociais
advém exatamente da sensação generalizada de que “se tiver problemas, não terei
companhia” ou “se estiver triste, ficarei mais sozinho e triste ainda”! Dedicam-se
os dias, então, a provar o quão belo, leve, pessoa de sucesso e
extraordinariamente feliz se é, o tempo inteiro.
Ói só, cá de mim, preciso confessar umas coisas. Primeiro, declaro
que a minha gentil pessoa acorda horrorosa em alguns dias. Tá bom, tá bom… Em
muitos deles. Querem pior? Às vezes fico tristíssima, o trabalho atrasado “sai
pelo ladrão” e ainda me sinto a última das criaturas, desprezada pelos amigos,
pela chefia e até por meros conhecidos! Pois é exatamente em dias assim que,
como o restante da humanidade, preciso de uma palavra de apoio. Apoio não significar
tomar para si os problemas que são meus, nem ficar desesperado com a vida que é
minha. Apoio pode significar mandar um e-mail de três linhas, fazer um café em
dois minutos, dar um abraço de cinco segundos ou se dispor a um alô de meia
hora. Somos todos humanos e precisamos ser vistos; mais do que isso, quando
estamos no chão, podemos precisar até de uma mãozinha que nos ajude a levantar.
Tropeçar e cair já é ruim o suficiente; se ainda for necessário fingir – para
quem vive ao lado! – que estamos nos píncaros da alegria, enquanto chafurdamos
na lama da tristeza… ah, tenha dó! É ser burro demais, além de um bocado
perverso.
Quero deixar bem claro que abomino combinações doentias como as
presentes nas relações em que, de um lado, há o “generoso ao extremo” e, do
outro, “o egoísta sugador”. Também penso que, na maior parte das situações
ruins, achar alguma graça pode ajudar; rir de si mesmo é um santo remédio e ser
leve é o melhor deles. Logo, não se trata de uma apologia à vitimização ou de
sugerir que todos permaneçam em doação constante como santidades generosas
canonizadas. Trata-se, apenas, de sermos humanos. Como humanos, seres que não
podemos ser excluídos como uma blusa velha cujos defeitos autorizam o descarte.
Amor, gente. Estou falando da necessidade de sermos amados e da
tentativa de sermos fortes o suficiente para amar. Sem desistência antes de
tentar.
Alguém aí encara?
7 comentários:
Olá, Amiga. Boa noite e feliz semana! Quero agradecer a carinhosa visita, pois continuo em falta. Tive uma forte gripe e estou recuperando! O post nos faz refletir, que não se vive só de momentos bons. è preciso compreender e ser solidário com os outros...somos pessoas com seus limites e fraquesas. Nínguém é auto suficiente! Pensar só em si mesmo é egoismo e falta de amor. Obrigada por partilhar! Bjos e boa semana.
Maria, muito bom o texto perfeito para os dias de hoje.É fácil menosprezar as dificuldades dos outros quando não a temos.Não sabemos o dia de amanhã, precisamos ter amor e ser mais solidário.Lindo! Feliz semana,bjs
Amara
Tantas pessoas se fecham para o problema alheio, e as vezes esta ali no espelho! e por medo de ver a si não abre seu coração ao outro. por medo e não acreditar na luz que vai junto e doa sua essência enriquecedora! abraços
oi minha amiga,
temos mesmo que aprender a olhar para o lado,
recebemos tanto amor,
temos que saber distribuir,
com aqueles que cruzam nosso caminho,
sem medo,
sem resistência,
apenas amar...
beijinhos
Concordo sim que temos que estar atentos aos sinais de SOS das pessoas que muitas vezes passam por situações difíceis e precisam de apoio. Também concordo que não devamos querer somente o recehio do bolo e que é preciso muitas vezes morder as beiradas, mas estar constantemente com pessoas negativas também não é bom. Há que se ter uma ponderação... um equilíbrio e um tempo FELIZ, pois há pessoas que só são coisas negativas o tempo todo e, aí, não dá porque contamina mesmo. Temos que ter um bom senso até para ajudar os demais...
beijinhos, minha querida.
É sempre muito prazeroso passar por aqui!
Linda e tri importante leitura esse texto. A autora toca no ponto certo. Gostei! beijos,linda semana,chica
Amigo de verdade é aquele para todos os momentos:ruins ou bons!
Saber ouvir alguém nas suas angústias...dar uma palavra amiga, ser solidário, é algo abençoado, pois nunca sabemos como estaremos amanhã, de repente, no dia seguinte possa ser eu, vc...que estejamos precisando de uma palavra amiga!
Maria José, texto sábio e reflexivo!
Beijos linda!!
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