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terça-feira, 26 de setembro de 2017

COMO TIRAR PROVEITO DOS INIMIGOS


Uma fábula indiana conta que há milhares de anos vivia em um templo abandonado uma cobra venenosa. Seu nome era Naga. Embora tivesse em geral um comportamento adequado, a cobra despertava terror nos habitantes da aldeia próxima porque - quando incomodada - atacava as pessoas.

Certo dia apareceu no local um sábio desconhecido. Sentou-se junto ao templo e chamou Naga para uma conversa. Disse-lhe que a vida inteira é uma escola espiritual e aprendemos o tempo todo, mesmo quando não temos consciência disso. “O aprendizado é muito mais rápido - e mais difícil - quando fazemos um esforço consciente por iniciativa própria”, acrescentou. 

A consciência de Naga se expandiu. O animal viu a luz da sabedoria, e disse que iria trilhar o caminho do esforço consciente. O instrutor mencionou então duas condições básicas para esse tipo de aprendizado.

“O primeiro passo é o autocontrole”, disse ele. “O processo sagrado começa à medida que o aprendiz deixa de obedecer aos instintos animais.” E acrescentou, antes de prosseguir viagem: “Ao mesmo tempo, há outra condição. É preciso ser fraterno e pacífico em relação a todos os seres.”

Impressionada pela força das palavras do mestre, a cobra Naga deixou de lado as preocupações mundanas. Praticou meditação, aproximou-se da sua alma imortal e experimentou a paz do universo infinito. Ela também tomou uma decisão: “De agora em diante, vou controlar os meus instintos e não morderei mais ninguém.”

A lei da evolução estabelece que todo conhecimento sagrado deve ser testado na prática, e o caso de Naga foi exemplar. Seu novo comportamento chamou atenção das crianças da aldeia. Por que motivo a cobra ficava o dia todo em jejum, recitando mantras e meditando sob o calor do sol? Quando chegaram à conclusão de que o animal não atacava, começaram os risos, o desprezo e as agressões com pauladas e pedradas. Naga  emagreceu.  Adoeceu. Sua pele começou a cair. Mas perseverava. 

Um ano depois, o animal está sem forças e à beira da morte quando o mestre desconhecido reaparece e senta-se para conversar. A cobra conta ao sábio o que aconteceu e fala da sua lealdade ao caminho espiritual.  Surpreso, o mestre explica que tamanha dor não era necessária: 

“Eu disse para você não atacar. Não disse que não ameaçasse morder. Não disse que não preparasse o bote. Não deixe de impor respeito. Não faça mal a ninguém, mas - quando necessário - defenda-se sem violência.”

E Naga sobreviveu e encontrou o equilíbrio.

Qual foi o erro da cobra? Ela idealizou o caminho da sabedoria de maneira ingênua e  ignorou o fato de que conflitos e contradições fazem parte da vida.

A cada momento temos de tomar decisões. E antes de cada decisão há uma certa luta entre diferentes tendências em nosso interior. As pessoas vivem conflitos psicológicos dentro de si, e é natural que haja discordâncias nas relações humanas e sociais. Contraste é vida, e vida é movimento. A uniformidade imobilista não é saudável. Quando as pessoas têm medo das discordâncias naturais, passam a reprimir as suas diferenças de opinião na esperança de  preservar a paz. Então a sinceridade é substituída pela cortesia. Gradualmente, a confiança mútua desaparece, abrindo espaço para a má vontade, os sentimentos hipócritas e a deslealdade. 
  
Por isso a sinceridade é sempre melhor que a harmonia forçada. Naturalmente é agradável estar rodeado de pessoas que concordam conosco em todos os aspectos.  Mas se fosse possível viver desse modo o tempo todo, nossa evolução correria grave risco de ser interrompida. Assim como as pedras dos rios ficam redondas após longos anos de atrito, também os seres humanos necessitam de suas dificuldades e  contradições para aperfeiçoar-se. 

Devemos evitar as desarmonias, quando possível, mas quando elas são inevitáveis o melhor a fazer é aprender com elas. Para o pensador grego Plutarco (46 E.C.- 120 E.C.), os inimigos são comparáveis às dificuldades naturais que a vida coloca diante de nós. Um velejador experiente não se desespera com o vento contrário, mas sabe usá-lo para avançar no rumo certo. Do mesmo modo devemos aproveitar as inimizades e outros desafios para aumentar nosso autoconhecimento.

“O fogo queima quem o toca, mas também fornece luz e calor e serve a uma infinidade de usos para aqueles que sabem utilizá-lo”, explica Plutarco. A situação é idêntica com os adversários ou invejosos: “O que é mais prejudicial na inimizade pode tornar-se o mais proveitoso”, diz ele. “É que teu inimigo, continuamente atento, espia tuas ações na expectativa da menor falha, e fica à espreita em torno da tua vida.”

Na tarefa de identificar nossos erros, os inimigos são mais úteis que os amigos. Os adversários aumentam o perigo e, com isso, não nos deixam adormecer na rotina. Para Plutarco, necessitamos amigos sinceros e inimigos ardentes: “uns nos afastam do mal por suas advertências, os outros, por sua censura.” Porém, os amigos geralmente evitam falar com franqueza. O amor pode ser cego em relação a aquilo que ele ama.  Mas o rancor consegue revelar as manias e os fracassos de qualquer um.

Quando o invejoso mente em suas críticas, podemos lembrar que, seja como for, nós ainda estamos longe da perfeição. É verdade que ele vê erros em nós que não existem: mas talvez haja erros em nós que ele não vê. Devemos aproveitar a oportunidade de uma crítica contra nós para exercer vigilância e aumentar nossa força interior.  A confiança no bem e a autoconfiança nos darão tranquilidade para observar os erros do ponto de vista do nosso potencial divino. E, sobretudo, para valorizar nossos acertos.


2 comentários:

  1. Olá, bom dia!!!
    Chegando agora em seu blog e já gostei muito.
    Belo texto, com uma linda lição de vida.
    Um abraço!!!
    Paz e Luz!!!

    Anna Lírios em Letras

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