Tive uma família bem complicada.
Abandono, doenças psiquiátricas, alcoolismo, separações, idas e vindas,
traições. Tudo isso passou pelos meus olhos e ouvidos de criança, embora eu não
me sentisse profundamente atingido pelos problemas. Tirando uma ou outra vez,
fisicamente eu não era atingido, e emocionalmente eu sempre considerei que
possuía uma força descomunal me protegendo e orientando. Na verdade, eu achava
que todos os acontecimentos eram como provas para a minha evolução e por eu ter
o equilíbrio, a paciência e o bom-senso, deveria ser o redentor daquela
situação.
Cresci. Ainda na adolescência,
buscando explicações racionais para a questão de haver pessoas com tantos
problemas e outras com pouquíssimos ou nenhum, busquei na espiritualidade um
conhecimento que me aliviasse a alma. Embora eu não tivesse a menor noção,
estava já instalada na minha mente a crença de que pessoas mais evoluídas
amparam o sofrimento das menos evoluídas e ficam no aguardo de uma vida melhor,
num futuro incerto.
Esta ideia começou a ser gravada
através das palavras e comportamento da minha avó, que foi quem me educou
durante toda a infância e início da adolescência. Ela não se permitia um
momento de prazer, de curtir a vida, e procurava encontrar problemas no
comportamento de todos. Se não houvessem problemas imediatos, ela fazia tanta
força mental que "somatizava" em seu corpo dores, doenças, etc. Minha
avó era uma pessoa boa em termos católicos, cheia de princípios e moralismos.
Exatamente por isso, ela não vivia em busca do prazer e da felicidade, e tinha
plena convicção de que a vida era para ser sofrida, e não vivida.
Sem perceber, eu carreguei a
mesma ideia: sofrer pelos outros traria a minha redenção! Bem egoísta esta ideia:
eu me colocava como alguém que era melhor que o outro e que saberia as soluções
para o sofrimento deles! Esta ideia macabra de que o sofrimento purifica a alma
é simplesmente uma indução continuamente lançada pelas pessoas que estão em
posição de comando: governo, religiões, instituições, mídia.
A mente humana desconhece o certo
ou o errado. A neurolinguística, estudando o funcionamento da mente e o porquê
das atitudes e comportamentos humanos, percebeu que a mente humana é uma
espécie de gravador que registra frases, sensações, emoções, associa tudo e
processa um resultado. Para a mente não existe o certo ou o errado. Ela grava
conceitos transmitidos pelos outros e aceita-os como verdade. Por exemplo, o
mesmo nazista que achava certo matar judeus, salvava crianças e idosos em
bombardeios. O mesmo judeu que condena veementemente o holocausto, segrega e
agride palestinos. A mesma pessoa que quer absoluta liberdade para si, prende
os filhos dentro de casa dizendo que é amor. Tudo isto é absolutamente normal,
e ocorre com todo mundo.
A mente grava pela repetição e se
houver emoção envolvida na gravação, ela cria uma gravação muito difícil de ser
apagada.
- Você não sabe como eu estou
dando duro para sustentar esta casa! Você não valoriza nada!
- Você não percebe como ele está
com problema? Eu tenho que ajudá-lo!
- Você não tem coração! Não pensa
em ninguém!
Esse tipo de frases, faladas com
emoção, "grudam" na mente e somos induzidos a acreditar nelas. Não
existe raciocínio neste caso, não existe certo ou errado: a mente irá repetir o
conceito sem pensar se é verdade ou não. Ela simplesmente escolherá "um
lado"!
Existe algo que causa maior
emoção que o aparente sofrimento dos outros? O que as campanhas contra a fome
mostram, para motivar a doação? O que as campanhas antitabagismo mostram? O que
os programas que dizem ser contra a violência mostram?
Sofrimento, sofrimento! Mas onde
está, especificamente, este sofrimento? Quem é que vê o outro sofrendo? Como
funciona este processo de reconhecer o sofrimento? Sofremos o nosso sofrimento
interior.
Depois de um tempo - bem longo,
diga-se de passagem - entendi que não havia nenhum sofrimento na minha família.
Havia problemas, sim, alguns até bem graves, mas o sofrimento era o meu
sofrimento interior!
Você lembra, leitor, quando eu
disse que queria resgatar os problemas da minha família? Pois é, neste momento
assumi para mim mesmo que eu tinha que sofrer. Foi a "ordem" que eu
dei a mim mesmo. E o pior: não coloquei prazo para este tal do resgate! Seria
infinito, se eu não percebesse isso a tempo.
Neurologicamente falando, a gente
só reconhece alguma coisa fora se existe um conceito gravado dentro. Eu só
posso ver o sofrimento fora se eu tenho dentro de mim a ideia e a emoção de
sofrimento. É por isso que existem pessoas que vivem em condições extremamente
precárias, mas estão felizes, tranquilas, em paz com elas mesmas - elas
escolheram dentro delas viver a emoção da alegria. Enquanto, por outro lado,
existem pessoas como a minha avó (e eu, até tempos atrás) que estavam bem, mas
cultivavam a ideia de que é necessário sofrer!
Alegria e sofrimento estão dentro
de nós. Todos têm quantidade farta dessas "ideias e emoções". Alegria
e sofrimento não têm realidade, não têm vida própria, não são seres. Alegria ou
sofrimento só pode surgir quando a mente humana realiza um único e decisivo
ato. Focar!
É isso! O foco! Nossa mente
funciona como um farol em noite escura, buscando identificar silhuetas. Se eu
encontrar uma silhueta de "sofrimento" e não tirar mais o foco dela,
é isso que se manifestará na minha vida. Que tal focar, então, a alegria
somente? Experimente!
Enviado por Zizi do Bloguinho da Zizi e foi aqui postado por ser pertinente à proposta do Arca.
Refletindo muito, devo ler esse como um mantra
ResponderExcluirA Zizi é um doce... uma alma iluminada!
ResponderExcluirRealmente eu acredito que o UNIVERSO funciona numa ORDEM DIVINA e há que se passar por ela para evoluirmos, não tem como fugir da regra. Tudo funciona em sincronicidades!!!
Eu sempre vivo a me lembrar dessas ORDEM DIVINA quando, por momentos de ansiedade, quero pular etapas.
Beijinhos, minha amiga e um final de semana iluminado!
Há visivelmente um monte de identificar com isso. Eu suponho que você fez algumas observações agradável em recursos também.
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