Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de pára-quedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... Casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.
Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:
– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... Tudo sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também.
Pra quê televisão? Pra quê rua? Pra quê droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... Era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa... A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... Até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
- Vamos marcar uma saída!... - Ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas trancadas. Pra quê abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos, do leite...
Que saudade do compadre e da comadre!
Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei.
Também me lembro desses tempos. Os dias de hoje são diferentes. Tem de se avisar e mesmo assim com antecedencia... toda a gente tem imensa coisa para fazer.
ResponderExcluirNOSSA ME SENTI A UNS 33 ANOS ATRÁS MORANDO NO RIO VERDE DAS ABÓBORAS NUMA ROÇA ONDE NOITE DE LUA ERA SINAL DE MUITA HISTÓRIA CONTADA A BEIRA DA FOGUEIRA ASSANDO BATATA E DANDO MUITA RISADA!!! ERA REALMENTE DESSE JEITO TINHAMOS TANTO PRAZER EM RECEBER AS PESSOAS EM NOSSA CASA HUMILDE MAS MUITO FELIZ!!!
ResponderExcluirADOREI ESSE POST PURO VERDADEIRO!
BJIM
Maria José, tem um selinh pra ti no meu blog.
ResponderExcluirAbraço
Esste texto me deixou com saudades. Acho que viver em cidades pequenas ainda é possível essa convivência. Que saudades da minha infância. Já ouviu falar numa cidade chamada Dois Vizinhos? Pois é, ela existe.
ResponderExcluirabçs
Adriana
É tudo tem época, hoje em dia é diferente as pessoas se falam menos, mais fácil mandar uma mensagem ou um email...e talvez nem lembremos das vozes dos amigos...paz.
ResponderExcluirGrande beijo Lisette.
Céusssssss...quanta saudade,quanta lembrança dos tempos que não voltam mais....
ResponderExcluirESPETACULAR tua postagem...revirou fundo lá no coração!
Vou postar no meu blog...com os devidos créditos...quanto mais pessoas lerem,melhor será...talvez faça A DIFERENÇA!!!!!
Era também um tempo de paz, as portas não precisavam de muitas trancas, as crianças brincavam nos quintais ou nas portas...
ResponderExcluirMaria José, seu blog já está na lista "Lado a lado" do "Terra, aquele abraço!" E, se quiser participar mais ativamente, postando, é só avisar, amiga!
Aquele abraço!
Luísa
Ai que saudades de há 40 anos atrás !
ResponderExcluirTambém era assim, em Portugal, no Algarve, no povo onde morava ...
E maiores saudades tenho do tempo em que visitava minha avó materna, uma daquelas pessoas com muitas amigas de verdade, uma daquelas pessoas que sabia realmente conversar construtivamente e sempre disponível para ajudar as amigas. Eu, com os meus 6 anos, adorava escutar as suas conversas com as amigas. Amigas para a vida. Sempre.
Íamos comprar meia dúzia de ovos, e eu adorava comer aquele "ovo estrelado" com uma batata frita, do modo como só ela sabia fazer! Era uma óptima cozinheira, toda a comida que fazia era muito saborosa.
Mas o tempo passou, a vida mudou, os estudos, o trabalho, a mudança para uma cidade maior, a minha avó teve de ir morar na casa dos vários filhos .... ficou a saudade. Um dia, ela partiu.
Também eu me incluo naquele grupo de pessoas que gostava de voltar a receber amigos em casa.. mas a verdade é que temos folgas desencontradas, temos um dia inteiro de trabalho e tudo por fazer em casa, sobretudo comida e roupa para engomar... Na folga mesmo, um dos dias é para a filha, para ir visitar os meus pais e estar com eles um pouco, e o outro dia é para as compras, para a limpeza da casa. Com as amigas, lancha-se às vezes, fala-se ao telefone, envia-se e-mails às vezes.
No verão sai-se um pouco mais, nem sempre, tenho mais trabalho e começo muito cedo.
Muito obrigada por me trazer de volta as minhas recordações, querida amiga brasileira !
... e me perdoe por ocupar este espaço todo .
Um abraço e beijinhos
Que saudades desses tempos...era assim mesmo!!
ResponderExcluirFazer e receber visitas era dia de festa...tudo era preparado ao pormenor...havia uma certa poesia.
Hoje, perdeu-se tudo isso na correria louca dos dias.
Beijo e bom fds
Graça
Oi Maria José,
ResponderExcluirQue texto lindo! Hoje os amigos são virtuais.
Beijo.
Muito bom...gostei muito...muito bem trabalhado!
ResponderExcluir[]s
Parabéns. o seu texto despertou em mim saudades de um tempo bom de proximidade e ternura entre as pessoas que hoje o nosso tempo já não nos permite mais ter.Fica, então, a saudade.Que pena, né?Mas a gente vai, na medida do possível, reconstruindo, dentro de nós, os valores que como seres humanos, nos ajudam a crescer e ser menos tristes.
ResponderExcluirBjs. no coração
A solidão é um bom lugar para se visitar, mas não é nada bom para se lá ficar ...
ResponderExcluirBeijo e bom fds.
Querida amiga
ResponderExcluirVim regar a nossa amizade, como vc diz - embora a minha rega visem plantas gordas para acumularem bastante água até voltar de novo a regá-las... A blogosfera cada vez mais está muito densa em termos vibracionais e eu sinto isso de uma forma...
- achei que deveria fazer um post nesse sentido e foi o que elegi para comemorar o 2º aniversário. Venho convidá-la pois, a participar na festa,porque do blog principal, no post em vigor, passará a outra página, através dum link.Então aí,a festa é para valer, dedicada a todos as crianças - que são todos vós.
o final do post, está um album de fotos e a sua personagem vem lá referida. Espero que goste.
Deixo o meu carinho num abraço apertado e um beijo de desculpas por não vir aqui as vezes que gostaria me merece!
Quanto a este post. Era e é assim que eu ainda faço! A net é só mais uma forma prática e rápida de chegar a alguém. Nunca deixei de ligar ás pessoas ou convidar para um lanche ou até dar um passeio a pé com alguma amiga/o pois por estas bandas perto do mar, tenho um T1 mais ou menos isolado, mas dentro da natureza protegida - aqui nada se pode construir, que é muito agradável!
No entanto, sinto que o mesmo não se passa em relação aos outros. O que é uma pena e vai sendo cada vez mais frustrante !
Agora vou...
Eternamente
Mariz