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domingo, 28 de março de 2010

A CADERNETA VERMELHA


O carteiro estendeu o telegrama.
José Roberto não agradeceu e enquanto abria o envelope, uma profunda ruga sulcou-lhe a testa.
Uma expressão mais de surpresa do que de dor tomou-lhe conta do rosto.
Palavras breves e incisas: - Seu pai faleceu. Enterro 18horas. Mamãe.
Jose Roberto continuou parado, olhando para o vazio.
Nenhuma lágrima lhe veio aos olhos, nenhum aperto no coração.
Nada!
Era como se houvesse morrido um estranho.
Por que nada sentia pela morte do velho?
Com um turbilhão de pensamentos confundido-o, avisou a esposa, tomou o ônibus e se foi, vencendo os silenciosos quilômetros de estrada enquanto a cabeça girava a mil.
No íntimo, não queria ir ao funeral e, se estava indo era apenas para que a mãe não ficasse mais amargurada.
Ela sabia que pai e filho não se davam bem.
A coisa havia chegado ao final no dia em que, depois de mais uma chuva de acusações, José Roberto havia feito as malas e partido prometendo nunca mais botar os pés naquela casa.
Um emprego razoável, casamento, telefonemas à mãe pelo Natal, Ano Novo ou Páscoa...
Ele havia se desligado da família não pensava no pai e a última coisa que desejava na vida era ser parecido com ele.
O velório: poucas pessoas. A mãe está lá, pálida, gelada, chorosa.
Quando reviu o filho, as lágrimas correram silenciosas, foi um abraço de desesperado silêncio.
Depois, ele viu o corpo sereno envolto por um lençol de rosas vermelho, como as que o pai gostava de cultivar.
José Roberto não verteu uma única lágrima, o coração não pedia.
Era como estar diante de um desconhecido um estranho, um...
O funeral: o sabiá cantando, o sol se pondo.
Ele ficou em casa com a mãe até a noite, beijou-a e prometeu que voltaria tazendo netos e esposa para conhecê-la.
Agora, ele poderia voltar à casa, porque aquele que não o amava, não estava mais lá para dar-lhe conselhos ácidos nem para criticá-lo.
Na hora da despedida a mãe colocou-lhe algo pequeno e retangular na mão
- Há mais tempo você poderia ter recebido isto - disse.
- Mas, infelizmente só depois que ele se foi eu encontrei entre os guardados mais importantes...
Foi um gesto mecânico que, minutos depois de começar a viagem, meteu a mão no bolso e sentiu o presente.
O foco mortiço da luz do bagageiro, revelou uma pequena caderneta de capa vermelha.
Abriu-a curioso.
Páginas amareladas.
Na primeira, no alto, reconheceu a caligrafia firme do pai: "Nasceu hoje o José Roberto.
Quase quatro quilos! O meu primeiro filho, um garotão! Estou orgulhoso de ser o pai daquele que será a minha continuação na Terra!".
À medida que folheava, devorando cada anotação, sentia um aperto na boca do estomago, mistura de dor e perplexidade, pois as imagens do passado ressurgiram firmes e atrevidas como se acabassem de acontecer!
"Hoje, meu filho foi para escola. Está um homenzinho! Quando eu o vi de uniforme, fiquei emocionado e desejei-lhe um futuro cheio de sabedoria.
“A vida dele será diferente da minha, que não pude estudar por ter sido obrigado a ajudar meu pai.”
“Mas para meu filho desejo o melhor. Não permitirei que a vida o castigue.”
Outra página
- Roberto me pediu uma bicicleta, meu salário não dá, mas ele merece porque é estudioso e esforçado.
- Fiz um empréstimo que espero pagar com horas extras.
José Roberto mordeu os lábios.
Lembrava-se da sua intolerância, das brigas feitas para ganhar a sonhada bicicleta.
Se todos os amigos ricos tinham uma, por que ele também não poderia ter a sua?
"É duro para um pai castigar um filho e bem sei que ele poderá me odiar por isso; entretanto, devo educá-lo para seu próprio bem."
"Foi assim que aprendi a ser um homem honrado e esse é o único modo que sei de ensiná-lo".
José Roberto fechou os olhos e viu toda a cena quando por causa de uma bebedeira, tinha ido para a cadeia e naquela noite, se o pai não tivesse aparecido para impedi-lo de ir ao baile com os amigos...
Lembrava-se apenas do automóvel retorcido e manchado de sangue que tinha batido contra uma árvore...
Parecia ouvir sinos, o choro da cidade inteira enquanto quatro caixões seguiam lugubremente para o cemitério.
As páginas se sucediam com, ora curtas, ora longas, anotações, cheias das respostas que revelam o quanto, em silêncio e amargura, o pai o havia amado.
O "velho" escrevia de madrugada.
Momento da solidão, num grito de silêncio, porque era desse jeito que ele era, ninguém o havia ensinado a chorar e a dividir suas dores, o mundo esperava que fosse durão para que não o julgassem nem fraco e nem covarde.
E, no entanto, agora José Roberto estava tendo a prova que, debaixo daquela fachada de fortaleza havia um coração tão terno e cheio de amor.
A última página.
Aquela do dia em que ele havia partido:
- "Deus, o que fiz de errado para meu filho me odiar tanto? Por que sou considerado culpado, se nada fiz, senão tentar transformá-lo em um homem de bem?"
"Meu Deus, não permita que esta injustiça me atormente para sempre. Que um dia ele possa me compreender e perdoar por eu não ter sabido ser o pai que ele merecia ter."
Depois não havia mais anotações e as folhas em branco davam a idéia de que o pai tinha morrido naquele momento.
José Roberto fechou depressa a caderneta, o peito doía. O coração parecia haver crescido tanto, que lutava para escapar pela boca.
Nem viu o ônibus entrar na rodoviária, levantou aflito e saiu quase correndo porque precisava de ar puro para respirar.
A aurora rompia no céu e mais um dia começava.
"Honre seu pai para que os dias de sua velhice sejam tranqüilos!" – certa vez ele tinha ouvido essa frase e jamais havia refletido na profundidade que ela continha.
Em sua egocêntrica cegueira de adolescente, jamais havia parado para pensar em verdades mais profundas.
Para ele, os pais eram descartáveis e sem valor como as embalagens que são atiradas ao lixo.
Afinal, naqueles dias de pouca reflexão tudo era juventude, saúde, beleza, música, cor, alegria, despreocupação, vaidade.
Não era ele um semideus?
Agora, porém, o tempo o havia envelhecido, fatigado e também tornado pai aquele falso herói.
De repente.
No jogo da vida, ele era o pai e seus atuais contestadores.
Como não havia pensado nisso antes?
Certamente por não ter tempo, pois andava muito ocupado com os negócios, a luta pela sobrevivência, a sede de passar fins de semana longe da cidade grande, a vontade de mergulhar no silêncio sem precisar dialogar com os filhos.
Ele jamais tivera a idéia de comprar uma cadernetinha de capa vermelha para anotar uma frase sobre seus herdeiros, jamais lhe havia passado pela cabeça escrever que tinha orgulho daqueles que continuam o seu nome.
Justamente ele, que se considerava o mais completo pai da Terra?
Uma onda de vergonha quase o prostrou por terra numa derradeira lição de humildade.
Quis gritar, erguer procurando agarrar o velho para sacudi-lo e abraçá-lo, encontrou apenas o vazio.
Havia uma raquítica rosa vermelha num galho no jardim de uma casa, o sol acabava de nascer.
Então, José Roberto acariciou as pétalas e lembrou-se da mãozona do pai podando, adubando e cuidando com amor.
Por que nunca tinha percebido tudo aquilo antes?
Uma lágrima brotou como o orvalho, e erguendo os olhos para o céu dourado, de repente, sorriu e desabafou-se numa confissão aliviadora:
- "Se Deus me mandasse escolher, eu juro que não queria ter tido outro pai que não fosse você velho!
- “Obrigado por tanto amor, e me perdoe por haver sido tão cego."

22 comentários:

  1. Maria José: Este fato relatado pelo teu texto, expressa acontecimentos com "N" pessoas. Inclusive comigo. E para completar, fisionomicamente dizem que sou mt parecido. Abraços. Roy Lacerda.

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  2. SABE ISSO ACONTECE TODOS OS DIAS NA MAIORIA DOS LARES OS JOVENS SÓ ENTENDEM OS PAIS QUANDO ESSES JÁ Ñ EXISTEM MAIS COMO ESSE AÍ DA MENSAGEM!!
    SERÁ PORQUE É TÃO DIFICIL SE FAZER COMPREENDER PELOS FILHOS???!!??????
    BOA NOITE!

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  3. Minha amiga.........
    Que felicidade e que honra tua presença no Estejamos em Paz!!!!
    Beijo carinhoso minha amiga
    Bea

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  4. Noooossssa! qta tristeza e amargura no texto. Mas relata a realidade de mts. Que seria do azul, se tds gostassem do amarelo. Nem só do pão vive o homem. TRistezase amarguram tb ensinam. Abçs. (O INDIGNADO).

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  5. E saber que ainda existem muitos filhos assim, só dão valor qdo perde.
    Conheço uma pessoa que precisava ler esse texto, mas pensando bem, é melhor nem mostrar, no lugar do coração ela só tem pedras de gelo, a vida vai lhe ensinar o que é amor de pai, mãe, espero não ser tarde demais.

    beijooo.

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  6. Como vai linda, eu estou saudosa, um mês sem net, olha este texto se é verídico não sei, mas retrata infelizmente a maioria de nossas famílias, é uma tristeza, o egoísmo ferido, o orgulho, não permite que consigamos avaliar as situações de forma justa, e então quanta injustiça acontece, e a vítima geralmente sofre calada, excelente postagem sempre é bom relembrar os verdadeiros valores, beijos Luconi

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  7. Este texto nos dá uma grande lição.
    Quem ainda tiver seus "velhos" por perto que façam o melhor por eles, pois, do jeito deles, deram o melhor por nós.
    Gratidão Maria José
    Uma semana de muita luz

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  8. Está no evangelho, honrar pai e mãe.Se eles erram por serem humanos, cabe aos filhos entender e buscar a harmonia, a convivência pacífica em vida, para não deixar que o remorso venha depois.
    Texto para ser muito pensado, muito mesmo.
    Beijos

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  9. Um texto triste, penso que quando se perde alguem que se ama, sempre sobram palavras e carinhos que não foram feitos e a gente tem que aprender a viver om isso.
    Boa esolha,
    Uma feliz semana para você
    beijos

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  10. Infelizmente é realidade, mas quem sabe com o tempo poderá haver mudancas, paz.

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  11. Olá bom dia!!
    As coisas seriam bem menos dolorosas e evitaríamos alguns sofrimentos se nao fossémos tao "duros" e enxergássemos mais com os olhos da alma... se observássemos mais o Evangelho de Jesus que nos disse: "Reconciliai-vos o mais depressa possível com o vosso adversário, enquanto estais com ele a caminho...Mateus, cap. V, vv. 25 e 26)."Esse é o sentido da lição do Mestre pelas palavras de Mateus, “reconciliai-vos o mais depressa possível... enquanto todos estais a caminho...” que significa enquanto ambos espíritos caminham no invólucro carnal, pois um, com certeza, voltará à Pátria espiritual antes do outro; e aí ficam as dores, do tempo perdido, do perdao nao dado etc.
    Deixo para você um grande abraco e votos de uma semana de muita paz.

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  12. Olá;

    Muito realista esse texto. Acontece "n" vezes. Talvez se tenha perdido, nesta encarnação, a oportunidade de saldar alguma dívida anterior com aqueles de quem não sentimos nada.

    Haverá que nos interrogarmos porquê? Que terei feito a este alguém ou o que me terá ele feito a mim?

    Pelo menos não cultivar o ódio e não molestar aquela pessoa que, por dever, deveríamos amar e não conseguimos.

    Ou ainda, respirarmos fundo, descontrair e meditarmos profundamente para encontrarmos a razões deste distanciamento.

    Parabéns pelo texto e um abraço

    José António

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  13. Um lindo texto, é sempre motivo de vida estudar, tentar ligar o velho e o novo, fazer esta inter ligação de form asaudável e amável, pra vc bjos, bjos e bjossssss

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  14. Nossa,que lição de vida não e mesmo.É por isso que dizem que por tras da cara feia pode estar uma pessoa sofrida, carente de afeto, amor.beijos e boa semana.

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  15. Bom dia.
    É um texto triste, mas é a realidade de muitas pessoas.
    Então, já preparou a sua pegadinha? O dia 1º de abril está chegando.
    FOI DESSE JEITO QUE EU OUVI DIZER... deseja uma boa semana para você.
    Beijo grande.
    Saudações Educacionais !
    http://www.silnunesprof.blogspot.com

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  17. É triste ver os filhos a não se entenderem com os pais e vice-versa...este teu post faz pensar e infelizmente há tantos casos assim! Penso que é o amor e o perdão que vão faltando nas famílias...ninguém quer ceder e, de repente, chega a morte e já não há lugar para mais nada.
    Realidade que expuseste muito bem...como sempre.
    Beijo
    Graça

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  18. Maria José, emocionante texto.
    Imagino o desespero do filho. A dor de um Pai incompreendido. Situações tão reais e dolorosos.
    Minha amiga, valeu por este post maravilhoso!!

    Um beijo com todo amor,
    Jorge

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  19. Maria José,um conto muito comovente!Infelizmente existe muito esse tipo de comportamento nas familias,de um não perdoar o outro.Nesse caso,foi tarde demais!Muito triste,mas linda sua história!Bjs,

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  20. História real e vivenciada por muitos todos os dias. Gostei.

    Beijos em versos!!!

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  21. Querida estou na correria de viagem mas no domingo venho ler seu post, com carinho e atenção, obrigada pelo afeto em meu blog sempre.Tenha uma semana explendida, marqavilhosa, sei que merece só por sentir em seu blog seus post.
    com carinho
    Hana

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